Sorriso ecológico
Estava marcado para as duas horas da tarde aquela reunião. Eu munida dos meus lay-outs dentro da pasta já havia dando uma última conferida no visual diante do espelho.
Tomei assento no táxi e pedi ao motorista que me levasse a Alameda das Acácias, e olhando ansiosamente para o relógio via a sinalização do chão sendo engolida rapidamente, enquanto memorizava os temas a serem discutidos; não era a primeira reunião nossa, já conhecia Duarte, homem alto de belo porte, tinha um sorriso contagiante, olhar atrevido. Quase sempre ficava desconcertada na sua presença, ele me fitava da cabeça aos pés com olhares gulosos, que para a minha vaidade feminina era mais que um elogio.
Na celebração do nosso último contrato, vantajoso para ambas as partes Duarte com seu jeito extrovertido e sem maldade, puxou-me num abraço efusivo e tascou-me um beijo estalado na face.Era a primeira vez que um cliente tomava comigo tal liberdade, fiquei sem jeito e sem ação, mas Duarte sequer se deu conta do meu embaraço.
Sorridente e cheio de delicadeza, olhava para os lay-outs e não cansava de elogiar meu trabalho, Duarte sempre gostava muito das minhas apresentações e me recomendava habitualmente aos amigos.
O motorista anunciou a chegada, estava eu de novo em frente à aquele belo prédio espelhado, onde tudo reluzia, portas totalmente automáticas e um elevador que quase parecia uma saleta de estar de tão confortável.
Quando aportei no décimo andar aquele homem cheio de sorrisos me aguardava na porta, sem que me desse tempo para um brilho nos lábios. Não pude nem respirar fundo, seria inconveniente, o homenzarrão que me despia com os olhares estava ali bem diante de mim se desmanchando em delicadezas.
Aproximei, estendendo a mão para um comprimento mais formal, e quando encarei seu rosto angular de barba bem feita, e sobrancelhas cerradas senti seu perfume másculo e amadeirado que sempre me deixava meio tonta, tive que conter o espanto que saltou-me aos olhos...a alface do almoço alojada no seu canino me sorria cheia de graça.
Tentei distrair meus olhares para a pele alva e extremamente bem cuidada do seu rosto, mas o seu rosto se transformava aos poucos numa enorme saladeira cheia de folhinhas de alface. Como entabular uma conversa com aquele belo espécime, que era por natureza uma boca sorridente com dentes todos certinhos e de um branco perfumado que fazia inveja aos anúncios de creme dental?
Toda a beleza daqueles ombros espadaúdos e dos olhos conquistadores se resumiam na folhinha de alface que brilhava-lhe no canino todas as vezes que ele me encarava.
Enquanto estendia o lay-out sobre a mesa podia sentir seus olhos perscrutadores observando meus movimentos, e por mais que me sentisse atraída pelos seus olhares intensos, aquela alface deixava cair por terra qualquer fascínio que ele sempre produzira em mim.
Começava a me dar uma certa angústia misturada a uma repulsa, tentava fixar meus olhos no lay-out explicando os lugares estratégicos que havia escolhido para sua propaganda, mas estratégico mesmo era onde havia se colocado aquele pedacinho da ecológico, que me encarava em fartos sorrisos.
Tanto mais divergíamos dos pontos escolhido para a fixação dos anúncios, mais nos olhávamos e honestamente já não enxergava mais aqueles belos olhos azeitonados que me encaravam pedintes de atenção, só conseguia olhar para aquele vegetal sem graça.
A proximidade daquele homem sempre me deixava inquieta, mas sempre me produzia uma sensação de ser uma mulher desejável, ainda mais porque se tratava de um homem interessante, livre e bem resolvido. Não tinha nunca se mostrado inconveniente, apesar dos olhares que me enviava, que pareciam ser totalmente espontâneos e naturais.
Porém hoje morria o mito do homem charmoso, de gestos educados, mãos firmes e macias, o executivo de porte elegante, sempre trajando ternos bem cortados, gravatas discretas e sapatos adequados ao conjunto todo, e nascia ali o sorriso ecológico que jogava no chão todo o atrativo do homem de olhos perturbadores.