OS DESERDADOS PELA CHUVA
A chuva tem chovido tanto que parece pretender lavar cada um dos pecados de São Paulo ( e de outras tantas cidades também) mas, quem disse que a miséria torna, necessariamente, os homens melhores? Ainda assim me comovem, até o meu mais fundo, certos olhares e palavras de resignação e serenidade ímpares em alguns rostos de seres de repente deserdados de tudo, de movéis e casa a filhos.
De onde lhes vem tal força? Do hábito das perdas? Da fé inabalável em um Deus? De onde lhes vem tal amplitude humana que me faz sentir tão mais mínima do que realmente já me sinto, eu aqui encastelada cidadã de classe média, a salvo ( pelo menos até agora) destas tempestades exteriores a arrasarem tudo?
Certamente, há grande mistério no modo como alguns seres suportam e transcendem as suas próprias circunstâncias miseráveis neste mundo, as circunstâncias de misérias nem um pouco metafísicas, misérias no sentido real e imediato da palavra; diante de tais seres eu, mendiga da palavra, curvo-me profundamente, que só me resta curvar-me diante de miseráveis assim, em verdade gigantes morais cuja estatura e mistério o meu pobre, miserável verbo, luta por comprender.
Zuleika dos Reis, na tarde de 28 de janeiro de 2010.