A VELHA QUE ME FEZ VIAJAR...
Os lábios escondidos atrás de milhares de rugas pareciam conversar com alguém...
Quem sabe sonhasse acordada, quase adormecida ao balanço do ônibus, sentada no lugar preferencial...
A cada brecada a cabeça chacoalhava.
Piscava e olhava pela janela talvez buscando uma referencia se não passara seu ponto de descer...
Abraçava uma sacolinha de pano e voltava a dormir.
Assim se deu por boa meia hora do trajeto engarrafado da cidade.
De repente, abaixou-se e apanhou do chão uma bolsa dessas que se ganha quando se faz excursão.
Surrada e rota era indefinível a cor entre bege, amarelo e marrom.
Abriu a bolsa e começou a mexer e remexer falando baixo que não pude escutar.
Gesticulava animada.
Prestando mais atenção, vi que virava as páginas de um pequeno álbum de fotografias.
Olhava cada foto, apontava o dedo, sorria e fazia um comentário.
Distraído, quem perdeu o ponto de descer fui eu. Percebi uns dois pontos à frente.
O que não tem remédio, remediado está.
Decidi ir até o ponto final e voltar. Assim poderia ver o final da cena.
Nem sentei quando surgiu um lugar.
Quase me debruçando e pedindo para ver as fotos também, pude notar que ela parou numa foto mais que o tempo normal.
Era um casal já passado dos sessenta anos.
Ela sorriu e escaparam duas lágrimas
Repentinamente, guardou o álbum e fechou a bolsa.
Apertou a campainha e pediu-me licença.
Pude ver que a bolsa era de uma empresa de viagem que cessou operações há mais de vinte anos.
Enquanto ela descia, dificultosamente, fiquei a imaginar quanta coisa sobre a cena.
Lembranças de tempos felizes se contrapondo a tristeza da saudade presente.
Trajeto de retorno feito, parei na banca de jornais.
Comprei uma revista de viagens.
O que pretendo fazer?
Ainda não sei... Talvez ir para algum lugar... Qualquer lugar...
E daqui a vinte anos lembrar ou ser lembrado.