A VIDA COMO PASSAGEIRA
A vida de quem pega ônibus é bem estressante, convenhamos. Mas tem lá sua graça e suas vantagens.
Tem dia que é sol demais na cabeça, outro dia é chuva que não acaba mais.
A moça acorda cedo, inspirada a se vestir para matar. Coloca seu salto 15 e sai em desfile pela passarela coberta por paralelepípedos. Quando este emperra nas pedras, ela torce o tornozelo. A classe não perde. Destino? Ponto de ônibus mais próximo de sua casa - 20 minutos a pé, quando percorridos de tênis.
Ao passar por esta etapa, a complexa tarefa de chegar ao ponto sem perder a elegância, ela ainda consegue pegar o último ônibus que a faz chegar pontualmente todos os dias no trabalho.
É nesse itinerário preestabelecido, naquele ambiente, que olhares apaixonados se cruzam, sorrisos se misturam às faces carrancudas de noites mal dormidas, amizades verdadeiras se solidificam, culturas se hibridizam. Grandes clássicos da literatura são lidos, ideias para novos projetos nascem, lágrimas rolam. Ali também a saudade aperta ao ouvir aquela bonita canção, o sono interrompe o estudo da prova final da faculdade e a inspiração para uma criação textual surge como em um passe de mágica.
Diferentes destinos são levados e histórias de vida das mais variadas conduzidas nos transportes coletivos.
De um lado, o trânsito não carece de tanta atenção, do outro, é preciso ser suficientemente educado com a pessoa que sentou ao lado e disse um entusiasmado bom dia... tá quente hoje, né?!; mesmo que o dia não esteja tão quente ou tão bom assim.
Às seis da manhã, o humor ainda não é dos melhores, o que não justifica alguém merecer ao lado o perfume malcheiroso daqueles homens peludos com suas camisas de polyester. Ninguém merece!
Entretanto, a aventura de pegar um busão lotado num calor de 39 graus até que pode ser bem bacana, com a oportunidade de contemplar belas paisagens pela janelinha. Isso até um pobre coitado expelir pela boca todo o seu café da manhã, impregnando o azedo aroma no ambiente já um pouco abafado. É terrível!
Ah, e prestar atenção à conversa alheia? Prática inevitável esta, não? Existem muito mais repórteres nos ônibus do que em muitas redações de grandes jornais, sites ou revistas de fofocas. É engraçado como eles sabem de tudo.
Além destes, são, também, homens sedutores, estudantes, diferentes profissionais, mulheres que seguram criança de 6 anos no colo para ter preferência, gente que dorme - baba e perde o ponto de desembarque-, motoristas e cobradores mal-humorados, vendedores ambulantes, passageiros que pegam linha errada e casais de idosos apaixonados, mais alguns dos protagonistas que compõe esse cotidiano, que concentra e experimenta inclusive as mais finas sensações.
Sem esquecer o meio ambiente, que assiste a tudo, agradecido aos tantos desmotorizados que utilizam do transporte coletivo diariamente.
A vida, passageira em linhas urbanas, interurbanas, intermunicipais, entre tantas outras, é uma mistura simultânea de sonhos, desejos, crenças, raças, tristezas, alegrias, vitórias, derrotas, trágico, cômico, sublime, ridículo...
Os minutos ou horas, que seriam inúteis, são, dia após dia, preenchidos e enriquecidos de infinitas e múltiplas formas. Todos têm histórias interessantes para contar.
O subir e descer de ônibus, enfim, dá margem e inspiração para tal.