Sem Nada Para Contar

Ela olhava fixamente para a folha de papel em branco à sua frente enquanto girava a caneta “Bic” entre os dedos. Mais um fracasso para a sua coleção. Se fossem colocados em estantes, como se costuma fazer com troféus, faltaria prateleiras e espaço para elas onde morava.

Segundo as instruções da moça bem vestida cujo olhar, ela imaginava, fosse sempre de superioridade, ela deveria escrever naquela folha um resumo de sua vida. A etapa seguinte seria a entrevista, caso fosse chamada, para depois saber se, finalmente, conseguira a vaga de secretária na empresa.

Escrever não era um problema, pois sempre tirara notas boas em redação. Mas, escrever sobre sua vida era uma piada e ser esse o teste era a maior falta de sorte, afinal não havia nada a contar sobre sua vida!

Como é que alguém conseguiria escrever sobre “nada”? Sim, pois sua vida era um imenso “nada”. Não havia realizado nada de importante que merecesse ser escrito naquela folha; nunca havia tido destaque, na escola ou fora dela.

Seu pai tinha sido um homem rico que perdera toda a fortuna quando ela tinha cinco anos. Portanto, da riqueza quase nada lembrava, mantendo vívida apenas a lembrança do suicídio do pai.

Com a morte do pai ela e a mãe passaram a viver “de favor” na casa de um tio. Em troca do favor a mãe executava os serviços domésticos, ajudada por ela no que sua pouca idade permitia. Como os tios eram muito bondosos, matricularam-na na mesma escola em que a filha estudava.

Aos catorze anos conheceu seu primeiro namorado; apaixonaram-se e, quando ela completou dezoito anos casaram-se. Tiveram três filhos; duas meninas e um menino.

O marido, engenheiro agrônomo tinha uma carreira promissora na empresa em que trabalhava e, aos poucos conseguiram um privilegiado padrão de vida.

Sua mãe, de saúde frágil, havia morrido antes do nascimento de sua primeira filha. Assim, era feliz por ter os três filhos e o marido; formavam uma bela família.

Na semana em que completaria dezoito anos de casamento o marido e as duas filhas morreram num acidente de carro. Restou-lhe, então, somente o filho que, graças a uma febre não havia ido à escola e não se encontrava no carro no momento do acidente.

Agora, com as economias acabando, já perdera a conta de quantos empregos havia tentado, mas todos exigiam experiência, o que lhe faltava.

Mas, de todos os testes este era, realmente, o pior! Escrever sobre sua vida? O que escreveria sobre uma vida tão desinteressante?

Desanimada colocou a caneta em cima da folha em branco, pegou sua bolsa e saiu para a rua pensando que talvez tivesse mais sorte no próximo...