Sou Teu No Cais

Lembro-me de ter ficado fascinado com os seus olhos. Tão pretos e no entanto duas fogueiras aquecendo o quarto. Não distingo grandes pormenores para além dos olhos grandes. Não entendia o que me queriam dizer e no entanto falavam. Enviavam-me mensagens, segredos talvez. Sempre sorrindo. Eu não percebia. Sentia-me num outro mundo por um breve instante e apenas aproveitava o encantamento. Dos pormenores posso dizer pouco. Os lábios eram relevantes. Na forma como me prendiam no beijo. Mesmo quando não me tocavam continuavam beijando-me. Os cabelos ondulados, embora dormisse, dançavam comigo. As pernas enlaçando-me. Ainda quando já se havia levantado para vestir a saia garrida.
Foi depois. Bastante depois. Meses talvez, que começei a entender aos poucos aquela noite. Partias no dia seguinte em busca de uma razão para ficar. E os olhos desvendando-me o código. Eu olhando, cegamente. Vejo agora claramente essa escuridão que me toldava a alma e me pregava o corpo ao chão.
Aqui, no cais, os barcos partem outra vez e sempre. E eu vim dizer-te que fiques.
Não queria que esses olhos se tivessem apagado de um só sopro pela ausência de uma palavra minha. Foste embora. Sem qualquer sombra nem sinal de despedida. Calma e friamente como o gelo que te transmiti.
Aqui, no cais, vim recusar o silêncio que inadvertidamente me condenou. Aportam barcos, abraçam-se amigos, reencontram-se os amantes. Hoje e sempre.
Faz já dois anos que entraste num deles para uma viagem que sabias desnecessária.
Foram alguns os meses que precisei para o entender também.
AnaMarques
Enviado por AnaMarques em 26/01/2010
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