Meu pai

Foi-se ele , num tempo em que ainda era menina-moça -de- vida -leve e só entendia de batons e escola, paqueras e livros.

De flores, sei que gostava de margaridas e sempre que podia as trazia para casa.Como hobby ,cultivava uvas e mel de abelhas com a destreza de bom italiano.

As caixinhas sendo abertas e ele me entregando um favo fresquinho...Meus olhos infantis arregalados pelos mistérios da vida.

As abelhinhas em volta, tão mansas...

Tivemos bons momentos de convivência mas na minha jovem euforia eu o via principalmente aos domingos, sentado à mesa após o almoço em família .Conversas infindáveis.

Lembro-me vagamente que falava da saudade da neve na Itália, de seu tempo de menino, de sua falecida mãe, uma fada boa . Das andanças mais venturosas que foram nas ruas de Sampa ,onde viveu grandes paixões , lutas de sobrevivência, sucessos e algumas dores .

Quantas conversas!

Não tive tempo de acompanhar muitas delas.

Eram histórias saboreadas com detalhes onde ,hoje , percebo ainda os olhos azuis brilhando de encantamento, revivendo um passado interessante , acariciado e transbordado de boas recordações .

E um pouco ignoradas por gente miúda.

Pois é assim, com falhas que me lembro de quem me chamava de Princesa e me socorria em diversas horas, nos meus caminhos juvenis.

Aquele homem bonito, leal, bondoso, honesto e forte que tinha o sorriso mais aberto do mundo, detalhe que nunca me esqueci ,embora não mais o veja há muito tempo...

E então, como podemos não nos esquecer de um sorriso , de uns olhos verde-azulados em anos e anos de ausência?

Do calor da mão, do colo aconchegante?

Do beijo meio áspero de barbas grisalhas? Do olhar cheio de compreensão? Só o amor explica.

Pois é isso. Amamos com falhas.

Também as percebemos mas não há como expô-las. Os sentimentos que ficam são suaves demais , porém, suficientemente fortes para que se sobressaiam.

Exploro apenas o grande carinho mútuo e realço a minha dor . Esta de não ter tido tempo ou sabedoria de ouvir , comprometida com as correrias de jovem atribulada que , tão bem sei, ele compreendia , aceitava e perdoava .Como todos os pais perdoam.

Afinal, nosso tempo foi tão curto.

Saudades sem fim.

luferretti
Enviado por luferretti em 30/07/2006
Reeditado em 09/08/2008
Código do texto: T205178