A Senhora dos Anéis (humor - causo)
- Mana, você pode levar as alianças pra nós?
- Mas... eu??? Tô meio velha pra ser daminha... Vê entre os amigos de vocês se ninguém tem alguma filhinha linda de até uns oito aninhos que vai arrancar ah's e oh's quando entrar na igreja...
- Ô, Nena! Levar as alianças de Brasília para Aracaju!
- Ah! Por que não disse logo?
Aceitei a incumbência. Era simples. Deixar as alianças antigas e pegar as novas na joalheria que fica no Conjunto Nacional, um shopping próximo ao meu trabalho onde costumo almoçar e ir ao salão. Eles já estavam embarcando para Aracaju e elas só ficariam prontas dali a duas semanas, quase no dia D. Se não ficassem prontas, tinha que levar as velhas mesmo.
Tudo muito bom, tudo muito bem, na véspera do casório, estou eu bem tranqüila fazendo as unhas, me metamorfoseando em mocinha, quando ele liga:
- E aí? Tudo certo?
- Tudo ótimo! Meu cabelo ficou di-vi-no!
- Tô falando das alianças!
- Alianças?? Que alian... gasp! As alianças!!
Havia me esquecido completamente. Agora teria que voltar em casa para pegar o papelzinho com as alianças antigas e providenciar a troca. Felizmente, apesar das madeixas ainda mais louras do que antes, eu consegui pensar um pouco e falei com o marido em casa, ao invés de sair desesperada para lá. Ele me passou o número da joalheria. Liguei, para saber se haviam ficado prontas.
- Não estou encontrando aqui. A senhora pode ligar amanhã?
- Não, meu anjo! Eu viajo hoje...
- Ah! Me liga então às oito. Estamos recebendo uma entrega, pode ser que esteja nela.
Às oito, já pronta para viajar, liguei novamente.
- Ah! A vendedora já foi. A senhora pode ligar amanhã?
- Não, fofa! Amanhã é o casório, lá em Sergipe. Eu viajo daqui a duas horas.
- Ah! Vou tentar falar com ela e ligo para a senhora.
Às oito e trinta e sete a fofa liga:
- As alianças chegaram. A senhora pode passar para pegar amanhã de manhã...
- Que-ri-da! Amanhã de manhã, eu quero estar na praia detonando a minha pele no sal e no sol...
- Ah! É mesmo! A senhora vai viajar. Então pode vir buscar agora.
- Certo, estou a caminho. Tem como alguém ir me encontrar no estacionamento, para adiantar? Eu tenho que estar no aeroporto às nove.
- Ah! A senhora desculpe, não é má vontade, mas é que temos que lançar no sistema.
Maldita informática, pensei - esquecendo por um momento que é ela o meu ganha pão.
Meu sogro parou em frente ao shopping e eu corri escada acima à procura da tal joalheria. Achei rápido, felizmente! Apesar de não ter hábito de olhar jóias, tinha um bom ponto de referência e meus anos de andanças por ali para fazer hora no horário do almoço haviam me dado a bagagem necessária para programar o meu GPS. Duas atendentes, inclusive a "querida" do telefone estavam ocupadas. Restou a estagiária. Não sei se era. Mas, se não era, estava ali só de passagem. Depois de uma tempão procurando, ela encontrou os anéisinhos. Ofereceu-me o estojo. Aceitei, claro: não sabia como seria a apresentação das alianças na cerimônia. Ela pegou a caixinha e começou a escová-la, para tirar algum resíduo de pó da camurça. "Querida" viu que eu ia ter um treco e disse-lhe que deixasse isso para lá e preenchesse logo os certificados de garantia. A coitada sentou-se comigo numa mesinha, onde começou a preencher o papelzinho, com a pressa de quem copia as letras num caderno de caligrafia. Ao terminar um, ela iniciou outro.
- Puxa! Um para cada aliança?? - perguntei ansiosa.
- Não. Eu errei.
Para controlar o estresse eu peguei a caixinha e comecei a escová-la freneticamente. Depois de mais uma eternidade, ela terminou de preencher o segundo papelzinho e descartou o primeiro. Entregou-me tudo, protegendo-se atrás do balcão. Eu devia estar espumando ou algo assim. ela parecia mesmo assustada. Meu relógio bipou nove horas e ainda estávamos a vinte minutos do aeroporto. Olhei para a tela do computador - apresentava uma mensagem de erro. Já imaginei que precisaríamos esperá-lo ressetar para podermos fazer o tal lançamento.
- E o sistema? Não temos que lançar?
Querida respondeu que não. Aliviada por não ter que esperar mais isso e furiosa pela mentira, ainda tive que sorrir quando ela, conciliadora me disse que tudo daria certo. Corri até o carro e meu sogro voou até o aeroporto. Chegamos lá às vinte e uma e dezoito. Felizmente deu tudo certo. E pouco depois entregávamos as alianças ao irmão da noiva que foi nos buscar no desembarque.
Depois de tanta correria, ao ver a daminha entrar sorridente, carregando as preciosas alianças ao som de ah's e oh's, não pude conter uma pontinha de orgulho. Tô meio velha para isso e a menina era mesmo uma linda garotinha de uns seis anos, mas, quer saber? O Frodo Bolseiro ali era eu!
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Na imagem, a linda daminha de honra.