NÓ CEGO
Vão me desculpar os colegas historiadores, vão se danar os politicamente corretos. Eu cheguei a uma conclusão dessas que não agradam muito a ninguém, inclusive a mim, quando se fala que brasileiro não gosta de trabalhar. A conclusão, no entanto, nada tem a ver com a disposição para o trabalho. Gostando ou não estamos aí trabalhando como sempre, sustentando a nós e a muitos outros menos afeitos a um “trampo”, porém bons em outras coisas como, por exemplo, a famosa “lábia”.
Falo é do “nó cego”, um termo que exprime o jeitinho pouco suspeito de driblar as tarefas penosas, cansativas e repetitivas no trabalho. É também uma armação quase incontestável, às vezes, para se ausentar dele. Uma forma de enrolar o chefe ou em trabalho direto do empregado com o dono de um “negócio” (que, diga-se, quer dizer negação do ócio) ou ainda numa relação contratual de prestação de algum serviço.
Pois bem, o nó cego foi criado pelos escravos. Lendo relatos de brasilianistas* e viajantes**, especialmente quando falam da organização da vida no Brasil colônia e no Brasil império, a constatação é de que o homem branco daqui abominava o trabalho e o negro, como não podia copiá-lo, aprendeu a dar seus nós. Apenas seguia o exemplo dos seus proprietários, afinal que estímulos de nobreza laboral haveriam de ter? Só na base do açoite, quem gostava de trabalho passava a detestar.
Os viajantes narravam suas andanças pelo país observando o comportamento dos fazendeiros que lhes davam pousada. Também visitavam as senzalas. Tinham contatos com os donos, com os escravos domésticos e com aqueles que trabalhavam direto nos plantios e colheitas. É bem verdade que muitos deles também davam verdadeiros nós cegos no pessoal da corte. A pretexto de conhecerem o novo mundo, bem que muitos estavam a serviço de seus países, mapeando tesouros minerais, fauna e flora brasileiros. Podemos dizer que eram nós cegos especializados.
Agora, não vamos querer também comparar com o que fazem alguns políticos, né?Aqueles que superaram qualquer noção de trabalho digno e honesto e com a sua criativa malandragem conseguem dar nó até em pingo d’água! No caso brasileiro, tanto os antigos como os mais recentes já é safadeza mesmo.
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* BRASILIANISTA: Estrangeiro especialista em assuntos brasileiros
** VIAJANTES: Ina Von Binzer, Hans Staden, Saint Hilaire, Spix, Martius, Eschwege.