PALAVRA DE CARTOMANTE

Meu destino nas cartas. Parte e reparte, lá vai surgindo a minha vida em fragmentos. Estou tensa. Ela sabe o que me aconteceu, o que está me acontecendo, e antes de mim mesma, o que vai me acontecer.

Tenho certo receio desta figura de olhos argutos, pausados e divididos entre a mesa e mim. Uma paradinha proposital (?) para um suspense ... A fatídica carta no ar à espera do veredicto. O que tenho pra ouvir sobre mim mesma? Um frio se instala no estômago e, mesmo que mentalmente eu o expulse, de lá não quer sair...

Lembranças cinzentas vasculham meu passado. Ai, será que aquele “caso” vem à tona agora? Não posso me deixar abalar, sou de uma naturalidade a toda prova. Afinal quem não tem seus segredinhos? A estas alturas, só torço pra que seja discreta, do contrário... Também quem manda querer jogar a vida assim ao aberto, a quem não me conhece, mas sabe tudo de mim? Agora é enfrentar, e que venha o passado!

_ Morte, ela diz, com voz consternada, sofreu muito, não é?

Aceno que sim, baixando os olhos e me lembrando de um tio de minha mãe que se foi em 2009. Nossa! Ela sabe das coisas, mesmo!

Depois é a vez da desilusão amorosa. Exatamente de quem será que ela fala? Meu pensamento em alta velocidade perscruta os arredores da memória. Parou no Sávio, lá da repartição, que mesmo sabendo da minha quedinha (ou quedona) por ele, se casou em novembro. O olhar inquiridor não perdoou:

_ Você teve uma decepção, não? E dói muito ainda quando lembra...

_ Dói, oh, se dói...

É a vez de um conflito na família, caso de herança... Será? Vou dizer que não, mas imediatamente me lembrei de um comentário do meu cunhado sobre certas divisões de bens, um tanto “injustas”, segundo ele, por ocasião do falecimento de um parente. Batata! Era ele, aquele muquirana que vivia de olho no que era dos outros, vê se pode!

Bom, de passado estes são os pontos em destaque. Sim, porque passado é passado, já passou e está morto. Melhor o futuro... Quem não se preocupa com o futuro, mesmo sabendo o quão incerto ele é? Então lá vem: promoção no emprego. Ufa! Até que enfim, algo bom. Faz tempo que estou precisando e já não era sem tempo... Espero que venha logo.

Mais? Viagem à vista para o meio do ano. Ué, onde será que estou pensando em ir? Só se for aqui na cidade vizinha, porque não tenho grana para ir mais longe... Bom, mas se está escrito, vamos acreditar. A fé é tudo! Quem sabe a próxima previsão é sobre dinheiro, não é mesmo? E aí, a viagem é questão resolvida. Bem que estou mesmo precisando de um descansinho...

É, mas pelo jeito se tinha dinheiro ela pulou essa parte. Passou logo pra uma cirurgia que provavelmente farei. Hum, agora pegou fundo! Meu coração deu um salto. Doença? Mentalmente procuro lembrar: exames em dia? Qual a última visita ao médico? É o rim, tenho certeza, quase não tenho ingerido líquidos, pela falta de tempo que ando. Um cálculo, posso ver a radiografia que o médico estende diante de mim e vai apontando onde está... Fazer o quê? Aguardar, que se o cálculo já está lá, e deve estar, porque a cirurgia é pra breve, o jeito é esperar a dor...

A mão branquinha cheia de anéis, se movimenta cortando as cartas. O que mais me espera depois de uma cirurgia inesperada? Resolvo encurtar a consulta e deliberadamente falo num tom mais alto que o pretendido:

_ O que mais? Por favor, tenho certa pressa. O sentimental... o campo afetivo, o que a senhora vê aí?

Ela se concentra. Uma ruga quase imperceptível se forma, juntando as sobrancelhas espessas:

_ Bom, no amor... no amor_ a voz era reticente, mas um sorriso foi se abrindo_ Olha temos novidades...

Aprumei o corpo na cadeira:

_ É mesmo? Ah, isso sempre é bom, não é?

_ Um moreno claro! Isso, um rapaz moreno claro está no seu caminho...

_ Moreno claro? Vê mais alguma coisa sobre ele?

_ Olha, as cartas não dizem muito aqui, mas dá pra ver bem: moreno claro e já está por perto. É só você prestar atenção...

_ Hum, não dá pra ver nem um pouquinho dos olhos, uma pontinha do cabelo?

_ É, minha filha, é como eu disse. O resto é com você.

Ela se levanta, como a dar por encerrada a sessão. Levanto meio titubeante, pego a bolsa no espaldar da cadeira e pago o valor combinado. Saio pra rua e sigo pensando:

_ Agora é comigo... O destino já fez a parte dele. Se eu não conseguir, azar o meu...

O trânsito está infernal nesse fim de tarde. Cruzo aos tropeços com pessoas que passam por mim, quase me jogo na frente dos carros, ocupada que estou a prestar atenção aos transeuntes. É impressionante, mas no meio da multidão literalmente caço um rapaz moreno claro...

(inspirada no relato de uma amiga)

MARINA ALVES
Enviado por MARINA ALVES em 25/01/2010
Reeditado em 27/01/2010
Código do texto: T2050364
Classificação de conteúdo: seguro