Vizinho Provocador

Eis aí a importância da manchete nos jornais, assim como o título de um livro, artigo ou crônica. Talvez o leitor tenha chegado até aqui para saber o tipo de provocação do vizinho. Sessentão aposentado, apreciador das coisas boas, também adepto das caminhadas na praia e de uma boa leitura, sempre que passo pela frente de sua casa, lá está ele em sua bela varanda, com seus cães e pássaros e agarrado num livro como se agarra uma linda mulher, sem querer soltar. E me pergunta: “já leu este”?

Quando responde que não, ele logo diz que eu não posso deixar de ler e faz aquela propaganda do livro que me desperta realmente a curiosidade, ficando só no gostinho do título, pois somente ao final da leitura ele vai me emprestar. Às vezes saio correndo para as livrarias só para “brechar” alguns capítulos, para conferir a provocação do vizinho. O danado tem bom gosto, só escolhe os mais lidos, aqueles anunciados como os mais vendidos, tanto na revista Veja como no New York Times.

Sendo sempre mais caros por ocasião do lançamento, resolvo aguardar um pouco, ou aceito a provocação do vizinho, recebendo o livro como empréstimo. E o danado é que, como sempre fui um bom pagador, agarro-me ao livro com muita sede para devolvê-lo o mais rapidamente possível. Aí, então, tenho de deixar de lado as minhas revistas e outros livros e até diminuir a frequência de visita aqui no Recanto das Letras. Mas que volto mais inspirado, bem revigorado por uma boa leitura, isto ninguém pode negar.

E há ainda outro tipo de provocação do vizinho para um bebedor moderado como eu. De vez em quando, lá vem ele com um saquinho de caju trazido de sua chácara. Um verdadeiro convite para tomar uma quentinha antes do almoço. Se, ao tocar na campainha, não houver ninguém em casa, ele, habilidosamente, engancha o saquinho de caju na parte interna do portão, de maneira que o transeunte não perceba e venha me subtrair aquele meu especial tira-gosto. Essa é a provocação do vizinho: tornar-me um viciado numa boa leitura e num bom aperitivo antes do almoço.

Irineu Gomes
Enviado por Irineu Gomes em 25/01/2010
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