Quarto de Aluguel
O fato é que, ao casar, perdemos um tanto. Não o tanto do trivial que tínhamos ou pensávamos ter. Perdemos o trivial do que achávamos que éramos, do que achávamos possuir.
Primeiro, a julgar pelo que achávamos que éramos, perdemos a importância que nutríamos em nós desenvolver com aqueles que julgávamos serem nossos. No espaço que tínhamos, daí entra o “achávamos possuir”, tudo o que estava dentro da linha que rodeava o nosso quarto ‘’era nosso’’. Era nossa a privacidade, a sensação de comando, o entrei-fechei-a-porta-com-licença-não-entrem-agora-e-não-perturbem...
Ser e possuir é algo muito peculiar nesse meio em que se vive como humano, planta, irracional, enfim...
Quase tudo o que vive germina em si a sensação do domínio. Daí que ser e possuir, se somados, resultam no verbo dominar. Domina-se com mais gosto tudo o que, ao ser comparado com outro, gera a genuina sensação de sobressair.
Após o casamento, quando se entra na casa que era sua, no quarto que era seu, parece que nada mudou... a menos que o seu espaço seja cobiçado, seja um terreno que um outro vislumbre “dominar”. O outro, a maioria das vezes, é aquele vizinho menos privilegiado, o qual denominamos irmã/irmão.
Quando percebemos o nosso quarto cobiçado no pós-casamento, a autocomiseração que nos invade, daquelas ervas daninhas, grita: “Só estava esperando você se casar para ficar com o seu quarto”... risos do além...
Nada é mais seu.
Ordinário espaço, ordinária linha.
Ordinário domínio.
O indíviduo, antes “entrei-fechei-a-porta-com-licença-não-entrem-agora-e-não-perturbem”, agora dividirá um quarto, uma linha e seu território privado com outrem... O irmão que fica, o solteiro, ri com gosto, alto, porque sobreviveu ao quartinho pequeno, com menos luz, sem interruptor junto à cama... Tudo porque nasceu mais novo... E, finalmente, ri-se. Está no topo. Continuará sem dividir sua privacidade com ninguém, e, agora, num domínio muito maior.