O que há em ti?
Responda rápido a si mesmo: o que há em ti?
Todos estão abismados e chocados com o último acontecimento no Hait. Em todos os jornais, programas de tevê, revistas, não se fala mais de nada. Nada chama mais atenção do que o terremoto que vitimou milhares de pessoas e praticamente destruiu Porto Príncipe, a capital do Haiti.
Mas, retome meu raciocínio e responda a si mesmo, de coração: o que há em ti?
Quantos minutos dura esse choque? Quanto tempo você demora para perceber o quanto Deus é bondoso contigo, o quanto o mundo lá fora é algoz e o quanto a vida é curta e frágil?
Quanto tempo por dia você se dedica ao próximo, a só pensar e fazer coisas boas? Você ajuda os outros? Você se ajuda?
O Haiti está ao seu lado. Às vezes o Haiti está dentro de nós. Dentro do nosso coração, dentro da nossa mente.
Caetano já havia cantado sobre o Haiti há muitos anos, talvez eu esteja apenas parafraseando a letra da canção que ele majestosamente escreveu. Em certos momentos da melodia e, principalmente no refrão, ele diz que "o Haiti não é aqui, o Haiti é aqui". Os apelos que ouvimos e lemos durante toda a música ao mesmo tempo nos acalenta, de vivermos em um país que, apesar das dificuldades, ainda está muito bem, obrigado, mas ao mesmo tempo nos chama a atenção para isto; que o Haiti é apenas um retrato frágil e sofrido da nossa própria existência.
Enquanto muitos de nós apenas pensa no próprio umbigo, se preocupa apenas com o próprio nariz, se lamenta de não ter conquistado isso ou aquilo ou se intriga de vizinhos, parentes, termina namoros por bobagens, diz que o pão dormido está duro, que o queijo está perdendo a validade, que a água do chuveiro elétrico está com um cheiro estranho e que apareceu uma pequena mancha na pontinha da sua unha do seu dedo do pé... muitos passam fome, estão morando em condições subumanas e não tem sequer as mínimas condições de saúde para buscar um trabalho ou até mesmo o que dar de comer aos filhos. Espere, não estou me referindo ao Haiti, estou me referindo àquela favela vizinha à sua casa, aquele conglomerado de barracos que "destroe" e polui a "beleza" da nossa, da sua cidade. Estou me referindo àquele garoto de seis anos, pé no chão e sem camisa, que está ao lado do seu carro do ano, financiado, mas você tem dinheiro para as parcelas, e que quer apenas alguns trocados para poder chegar em casa com algum dinheiro e não apanhar mais uma vez do pai alcoolatra e da mãe drogada. Me refiro aos que dormem na rua, aos que deitam na calçada do seu prédio, onde você paga um horror de condomínio e todo mês tem bate-boca com a síndica. Me refiro ao adolescente que furtou ou roubou o seu celular de R$ 200,00 e você ainda está pagando as parcelas do mesmo, o que te faz sentir ódio daquele moleque toda vez que recebe a fatura do cartão de crédito. Ele vendeu o seu celular por R$ 50,00 ou trocou por pedras de crack, literalmente o seu celular virou fumaça.
Enquanto escrevo esse texto, enquanto milhões de pessoas passam fome, enquanto pais de família não tem o que dar de comer aos seus filhos, enquanto milhares lutam debaixo do que restou de Porto Príncipe, enquanto dezenas de jogadores de futebol estão engordando sua conta bancária às custas de patrocinadores medíocres que são bancados por nós, consumidores, enquanto nossos políticos discutem quem coloca o filho de quem em qual cargo comissionado e acha pouco a remuneração de vinte salários mínimos mensais, enquanto alguns compram um meião de futebol, pois a meia social é pequena para esconder maços de cinquenta e de cem Reais, enquanto isso, mais uma vítima do nosso descaso cultural e social nasce em alguma maternidade em algum subúrbio, em alguma periferia. E não é culpa minha, não é culpa sua, provavelmente a culpa é dele. Enquanto a gente perde tempo fazendo e se preocupando com tanta coisa, enquanto a gente acha que não dá para a gente resolver, tudo isso vai acontecendo debaixo do nosso nariz e a única coisa que a gente faz de forma célere e eficiente é apertar o nariz para não sentir o fedor.
Como diz Caetano..."Pense no Haiti, reze pelo Haiti".
O Haiti não está tão longe assim. E o que o terremoto causou foi apenas jogar para debaixo da poeira um problema que a humanidade certamente não está nem de perto interessada em resolver.