CHUVA AOS DOMINGOS

 Damião Ramos Cavalcanti

          O domingo não é um dia qualquer, varia de definição, segundo a utilização do seu tempo, mais do que os outros seis da semana juntos. Quando menino, aprendi no catecismo de Dona Vicenza, na Igreja de Pilar, ser o Dia do Senhor. Pensava que, por causa disso, o domingo era tão longo, maior do que os outros dias; alongado também por esperar meu pai voltar da feira de São Miguel de Taipu: se alegre com o lucro, pedia um vinho tinto Casal Garcia da bodega de seu Silvio ou do seu Raimundo; se preocupado com o “apurado”, contentava-se com o ponche de laranja e servia-se do invariável cozido dominical feito por Dona Lia. Anos depois, de tudo isso me lembro apenas dos domingos ensolarados, quase na certeza de que, durante a minha infância, misteriosamente não chovia aos domingos.
          O domingo se paramenta conforme o humor de cada um. Seguindo Érico Veríssimo, “estou convencido de que o domingo não é um dia da semana, mas um estado de espírito...” Uns o usam como cama, aproveitando-o para dormir ou tirar a ressaca do sábado; outros acordam cedo para o lazer, saem perambulando pela rua, visitando amigos, encontrando-os no bar e caminhando na praia, sob o Sol tolerante, avaliando corpos seminus. Se vier a chuva, ela acalenta os que dormem, mas irrita os donos de bar, enerva os apreciadores de uma boa pelada ou frustra os que programam sair por aí, a céu aberto, procurando namoro, vestindo roupas novas. Mas, alegra quem aguarda água para suas lavouras.
          Há quem se agrade da chuva em qualquer dia, especialmente nos domingos, horas de ócio, sem o dever do trabalho, para ficar apreciando os pingos caírem, banhando a rua, aguando gratuitamente o jardim, escutando sua música em cima do telhado. Conheço sertanejos que, educados pela seca, adoram a chuva a qualquer hora, não importa o dia. Passei por Camboinha, domingo passado, vagarosamente, evitando as poças d’agua, quando avistei o Professor Luís Andrade, no terraço da sua casa, em pé, com o calção na mão e o bronzeador na outra. Indaguei-lhe: “- Triste com o tempo?” Saindo das suas lembranças dos sertões de Catolé do Rocha, respondeu-me que estava admirando a chuva. 
          O domingo chuvoso é assim: lamentam os brejeiros tanta água; entristecem-se os litorâneos perderem mais um dia de Sol. Mas, bendizem-se os sertanejos com mais um dia de chuva, sobretudo aos domingos, quando param no tempo para admirá-la. Aos que sofreram seca, toda água é bem-vinda e bem-vista. E, quem sabe, recitando Vinicius de Moraes: “Em casa há muita paz por um domingo assim,/ A mulher dorme, os filhos brincam, a chuva cai.../ Esqueço de quem sou para sentir-me pai/ E ouço na sala, num silêncio ermo e sem fim, / Um relógio bater, e outro dentro de mim.”