Viagem de trem
Fomos todos morar em Bananeiras. Meu pai era funcionários dos Correios e Telégrafos e fora transferido para aquela cidade da Serra da Borborema, no interior da Paraíba. Fiquei por lá dos dois aos seis anos. Lembro-me das viagens feitas em trens a vapor. Partíamos de manhã cedinho. Repetia alegremente a onomatopéia aprendida de véspera que imitava o motor da locomotiva: café-com-pão, bolacha não; café-com-pão, bolacha não! Acomodava-me sempre à janela admirando o mundo exterior. Observava os campos, as florestas – sim, ainda havia muito da Mata Atlântica bordejando os trilhos, àquela época! - , os montes ao longe, esfumados entre nuvens cinzas. Espiava as pessoas trabalhando nos campos, mulheres batendo roupas nos riachos, meninos brincando a nadar em barrentos poços. De vez em quando pequenos rebanhos de caprinos invadiam a paisagem e vaqueiros encouraçados perseguiam rezes fugidias.
Tinha medo de pôr a cabeça para fora do trem. Disseram-me que o vagão viraria se assim o fizesse. Captava do ar o odor de mato e areia molhados, junto com a fumaça escura vinda da chaminé. Quando chegávamos às estações do caminho o maquinista apitava alto e, lentamente, resfolegando, o trem parava. As pessoas acorriam aos pés das janelas e ofereciam à venda laranjas cravo e baía, tapiocas, pinhas, confeitos quebra-queixos e rapaduras, café, broas e beijús; servidos em tabuleiros de madeira cobertos com panos.
Os novos passageiros adentravam, aboletavam-se nas poltronas e, apitando e fogueando, o trem partia. Vinha depois o cobrador que perfurava os bilhetes com um alicate especial que aguçava a minha curiosidade. A paisagem movia-se em mágica cinética fundindo cenas e locais, tudo banhado por um sol acanhado que ensaiava tênues raios de calor.
Lembro-me de uma vez em que, logo na saída do túnel escavado na pedra ( que era a estação em Bananeiras), um vento forte arrebatou-me o boné vermelho de jóquei que portava garboso. Meu pai desceu do trem, ainda em movimento inicial, para apanhá-lo. Foram poucos minutos que para mim tornaram-se momentos dolorosos de pânico, perda e desolação. Em meu imaginário infantil receava perder meu pai e o chapéu encarnado. Ainda chorando enquanto era consolado por minha mãe e minha tia, divisei no corredor do vagão a imagem paterna , sorrindo e esbaforido, acenando para mim com o boné em sua mão. Soluçei aliviado e senti, naquele momento, uma profunda sensação de segurança e paz emanada da presença benfazeja dos meus pais.
Fomos todos morar em Bananeiras. Meu pai era funcionários dos Correios e Telégrafos e fora transferido para aquela cidade da Serra da Borborema, no interior da Paraíba. Fiquei por lá dos dois aos seis anos. Lembro-me das viagens feitas em trens a vapor. Partíamos de manhã cedinho. Repetia alegremente a onomatopéia aprendida de véspera que imitava o motor da locomotiva: café-com-pão, bolacha não; café-com-pão, bolacha não! Acomodava-me sempre à janela admirando o mundo exterior. Observava os campos, as florestas – sim, ainda havia muito da Mata Atlântica bordejando os trilhos, àquela época! - , os montes ao longe, esfumados entre nuvens cinzas. Espiava as pessoas trabalhando nos campos, mulheres batendo roupas nos riachos, meninos brincando a nadar em barrentos poços. De vez em quando pequenos rebanhos de caprinos invadiam a paisagem e vaqueiros encouraçados perseguiam rezes fugidias.
Tinha medo de pôr a cabeça para fora do trem. Disseram-me que o vagão viraria se assim o fizesse. Captava do ar o odor de mato e areia molhados, junto com a fumaça escura vinda da chaminé. Quando chegávamos às estações do caminho o maquinista apitava alto e, lentamente, resfolegando, o trem parava. As pessoas acorriam aos pés das janelas e ofereciam à venda laranjas cravo e baía, tapiocas, pinhas, confeitos quebra-queixos e rapaduras, café, broas e beijús; servidos em tabuleiros de madeira cobertos com panos.
Os novos passageiros adentravam, aboletavam-se nas poltronas e, apitando e fogueando, o trem partia. Vinha depois o cobrador que perfurava os bilhetes com um alicate especial que aguçava a minha curiosidade. A paisagem movia-se em mágica cinética fundindo cenas e locais, tudo banhado por um sol acanhado que ensaiava tênues raios de calor.
Lembro-me de uma vez em que, logo na saída do túnel escavado na pedra ( que era a estação em Bananeiras), um vento forte arrebatou-me o boné vermelho de jóquei que portava garboso. Meu pai desceu do trem, ainda em movimento inicial, para apanhá-lo. Foram poucos minutos que para mim tornaram-se momentos dolorosos de pânico, perda e desolação. Em meu imaginário infantil receava perder meu pai e o chapéu encarnado. Ainda chorando enquanto era consolado por minha mãe e minha tia, divisei no corredor do vagão a imagem paterna , sorrindo e esbaforido, acenando para mim com o boné em sua mão. Soluçei aliviado e senti, naquele momento, uma profunda sensação de segurança e paz emanada da presença benfazeja dos meus pais.