SURDEZ DISFARÇADA
Vez ou outra, os netos eram repreendidos pelo velho Ramos: “- Fale baixo! Está pensando que estou mouco?” Exatamente o que ele era. Gritávamos para sermos ouvidos e, também, na disputa de quem primeiro seria atendido pelo avô. Esquecidas as vaidades, a surdez, às vezes, aparece na literatura como uma vantagem para dissimular que se tenha escutado o desinteressante, chatices ou inconveniências, até mesmo insultos. Revolta-se quem fala: “diz que é mouco para ouvir apenas o que quer”. De modo que a surdez se torna um filtro de conversas chatas, encurta as prolongadas e também dela se faz uso para não telefonar ou atender telefone. Que nos digam os fonoaudiólogos! Enfim, confirma-se assim o adágio: “Palavras loucas, ouvidos moucos”.
A insurdescência serve também para simular que não se está escutando e descobrirem-se discrições, segredos, mesmo as mais baixas cochichadas. Também, ignorando o grau de surdez, falam do surdo numa tonalidade que lhe é audível. À semelhança do episódio, descrito por Fernando Morais, em “Chatô – O rei do Brasil”, que teria vivenciado “o jornalista Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Melo, um dos homens mais poderosos do Brasil”, nos seus últimos momentos de vida, acometido de “um acidente vascular encefálico, que provocou coma, tetraplegia, miose intensa, paralisia do véu e das cordas vocais”. Diante desta letargia, Edmundo Monteiro, “João Calmon, Leão Gondim e Austregésilo de Athayde começaram a acertar os detalhes do enterro (...) foi aí que Chateaubriand voltou a ouvir”. Onde seria o velório, no Senado ou no Itamaraty? Ditou Athayde: “- Ele era um imortal, tem que ser na Academia Brasileira de Letras”. E prosseguiu a discussão a identificável “voz de Athayde anunciando que ia para casa preparar o discurso fúnebre. – No dia em que nos conhecemos, dizia ele, Chateaubriand e eu combinamos que o primeiro que morresse seria saudado pelo outro na beira da cova.” Segundo Morais, foi assim que Assis Chateaubriand, que sempre foi um opinante muito bem informado e nisso nutria o seu poder, morreria ouvindo sem opinar sobre seus últimos lutuosos detalhes.
Proverbia-se que os tempos mudaram e andam mudando, em vertiginosa velocidade, os costumes. Avô não dá mais carão; recebe. No caso, em vez de ele reclamar “tá pensando que estou mouco!”, os próprios netos observarão: “Vovô, você está ficando mouco!”, respeitosamente, sem a mínima cerimônia.
Vez ou outra, os netos eram repreendidos pelo velho Ramos: “- Fale baixo! Está pensando que estou mouco?” Exatamente o que ele era. Gritávamos para sermos ouvidos e, também, na disputa de quem primeiro seria atendido pelo avô. Esquecidas as vaidades, a surdez, às vezes, aparece na literatura como uma vantagem para dissimular que se tenha escutado o desinteressante, chatices ou inconveniências, até mesmo insultos. Revolta-se quem fala: “diz que é mouco para ouvir apenas o que quer”. De modo que a surdez se torna um filtro de conversas chatas, encurta as prolongadas e também dela se faz uso para não telefonar ou atender telefone. Que nos digam os fonoaudiólogos! Enfim, confirma-se assim o adágio: “Palavras loucas, ouvidos moucos”.
A insurdescência serve também para simular que não se está escutando e descobrirem-se discrições, segredos, mesmo as mais baixas cochichadas. Também, ignorando o grau de surdez, falam do surdo numa tonalidade que lhe é audível. À semelhança do episódio, descrito por Fernando Morais, em “Chatô – O rei do Brasil”, que teria vivenciado “o jornalista Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Melo, um dos homens mais poderosos do Brasil”, nos seus últimos momentos de vida, acometido de “um acidente vascular encefálico, que provocou coma, tetraplegia, miose intensa, paralisia do véu e das cordas vocais”. Diante desta letargia, Edmundo Monteiro, “João Calmon, Leão Gondim e Austregésilo de Athayde começaram a acertar os detalhes do enterro (...) foi aí que Chateaubriand voltou a ouvir”. Onde seria o velório, no Senado ou no Itamaraty? Ditou Athayde: “- Ele era um imortal, tem que ser na Academia Brasileira de Letras”. E prosseguiu a discussão a identificável “voz de Athayde anunciando que ia para casa preparar o discurso fúnebre. – No dia em que nos conhecemos, dizia ele, Chateaubriand e eu combinamos que o primeiro que morresse seria saudado pelo outro na beira da cova.” Segundo Morais, foi assim que Assis Chateaubriand, que sempre foi um opinante muito bem informado e nisso nutria o seu poder, morreria ouvindo sem opinar sobre seus últimos lutuosos detalhes.
Proverbia-se que os tempos mudaram e andam mudando, em vertiginosa velocidade, os costumes. Avô não dá mais carão; recebe. No caso, em vez de ele reclamar “tá pensando que estou mouco!”, os próprios netos observarão: “Vovô, você está ficando mouco!”, respeitosamente, sem a mínima cerimônia.