MAGIA DAS PÉTALAS


           O Pai Vicente, chamado de “mago” pelas mulheres e, de “bruxo” pelos homens, só foi conhecido, depois de encontrado numa gruta, na Serra dos Pireneus, por trás da histórica Pirenópolis (1727), a caminho da Terra Nostra. Em tudo que tocava, surgia maravilhosamente o amor e, com apenas o seu olhar, realizava coisas sobrenaturais. Conduzia-se numa vida austera, sóbria, no pé da serra, longe da estrada. Entre os pedregulhos da montanha, fazia nascer suas ervas que curavam mais rápido do que qualquer outro remédio. Ninguém sabia onde aprendera tanta sabedoria. Milagrosamente, em torno das suas plantas, brotavam as mais lindas e perfumadas flores que, ao serem colhidas pelos curiosos da cidade, logo perdiam misterioso perfume. Esta era a única magia que ele se consentia explicar, rompendo seu habitual silêncio: “- A flor pertence à natureza, portanto, a todos nós. Só sente o verdadeiro aroma quem a admira com vida. Por que levá-la para você? Pode-se apropriar das pétalas, mas nunca do seu perfume”.
           O velho eremita escondia-se do barulho para a meditação. Por isso, amadureceu a vida adulta, recolheu-se, afastado da cidade, onde viu, com os próprios olhos, os mais horrendos crimes e perversidades. Saía do silêncio apenas para ser escutado como guru. Em voz pausada e grave, falava que “a violência convive com barulho, enquanto a paz é calma, taciturna e harmoniosa. Todo barulhento é vazio de si mesmo.” Lamentava que os homens que se diziam organizadores da cidade, desorganizavam-na; que prometiam benefícios ao povo, quando dele se beneficiavam. Desacreditados, não guiariam mais o povo. E, por consequência desses desatinos, haveria, de modo crescente, quem os imitassem, multiplicando-se os “desonestos e infiéis ao bom destino”. Não aconteceria outro destino à violência na cidade, senão, por desgraça dela, o absurdo do mundo sodômico. A este respeito profetizava uma escatologia diferente da sempre pregada: “- O mundo nunca acabará, Deus não destrói o que construiu, nem mata o que criou. Será o homem quem destruirá a própria casa e matará aqueles que nela habitam”. 
           Três anos, após seu centenário, morreu aquela curiosa criatura, triste por sempre ouvir falar das amarguras da cidade e de não ter convencido seus visitantes a não arrancarem, do natural jardim, suas perfumadas flores. Mesmo que as pétalas, como num ímpeto de defesa, perdessem seu perfume. Suas últimas palavras, talvez com outro significado, lembravam as de Machado de Assis, no poema “À Carolina”: “Trago-te flores, restos arrancados/ Da terra que nos viu unidos/ E ora mortos nos deixa e separados”.