AMPARO SEM GARANTIAS

Os personagens não estavam quadriculados. Não havia som. A imagem estava perfeita e do alto pode-se ver um homem forte que entra em um salão de beleza, intimida duas freguesas impedindo-as que saiam. Em seguida conversa com uma mulher franzina que parece ser a dona do estabelecimento. Parada, a curta distância, na frente do homem de camiseta e calça jeans, ela lhe dirige a palavra. Os dois parecem discutir e o homem lhe estende o braço direito como se estivesse apontando algo. A mulher estremece como se fosse puxada para trás por fios invisíveis. Ela recua com um passo. Estremece de novo e recua novamente caindo, por fim, encostada à parede. O homem com o braço em riste avança dois passos levando-o à cabeça, ao tórax, à barriga da mulher. Ela parecia dormir não fossem os fios invisíveis a pressioná-la toda vez que o homem lhe aponta o braço direito. As freguesas, em volta, fogem abaixadas. O homem guarda algo no bolso da frente da calça e sai em direção à rua. A mulher jaz no estabelecimento, agora, deserto.

Assisto a tudo isto do sofá de minha casa e se estendesse o meu braço para impedir o desastre, no máximo, tocaria na tela cheia de energia estática provocando sons de estalidos.

Os informes, jornalísticos, complementam pondo-me a par dos acontecimentos. O casal havia se separado. Ele não se conformava com isto e a ameaçava e a agredia constantemente. Entre os mais de 6 boletins de ocorrências e algumas visitas ao hospital para tratar os ferimentos provocadas pelo ex-marido a mulher resolveu proteger-se. Comprou câmeras de circuito fechado e as instalou no seu estabelecimento comercial. Denunciou as agressões à polícia e esta a colocou sob a proteção da Lei Maria da Penha. É possível, ainda, que esta pobre mulher tenha se sentido segura em saber que o portar armas de fogo é proibido à maioria dos cidadãos comuns em todo o território nacional. Não fosse isto, talvez tivesse adquirido uma arma para si.

Toda a sua previdência recebeu o amparo das leis de proibição ao porte de armas, da Lei Maria da Penha além do suporte tecnológico de câmeras de circuito interno tão usado hoje em dia. Daí pra frente, era só seguir a sua vida de mulher separada que diante da sociedade brasileira luta para sobreviver. Realidade vivida por inúmeras e corajosas mulheres no Brasil.

O que deu errado? Pode ter sido o seu último pensamento enquanto sua vida se esvaia.

Para as sobreviventes, e para todos aqueles que assistiram a cena de sua morte em rede nacional, as respostas vêm em pequenas doses. Primeiro que, para esta mulher, as leis não preveniram nada. Segundo, a tecnologia serviu apenas para registrar o seu fim trágico e terceiro é que não existe providência, em nossa sociedade, que restabeleça uma vida perdida.

Para aqueles que pensam que a punição resolve, vale lembrar que a punição só chega após o delito ocorrido. Valorizamos, talvez pelo nosso passado escravagista, ao extremo o ato de punir.

Que adianta o algoz ir preso? Que adianta a vítima ir para o cemitério? O que pensar, pois, das leis? Hoje, para a sociedade brasileira, o que deve ser mais valorizado é a idéia de prevenir. Evitar que as pessoas se matem.

Enquanto a mudança de valores não ocorre em nossa sociedade, para casos semelhantes em que as mulheres são ameaçadas por maridos, namorados, etc. A melhor saída para elas e em alguns casos, para eles, é buscar uma nova vida em um lugar distante e desconhecido de todos. O que fica claro nesta história tão bem documentada é que: um refúgio no anonimato garante muito mais a preservação da vida.

Knorr
Enviado por Knorr em 21/01/2010
Código do texto: T2042709
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