A Nova Diarista
Maria Clara gostava de ler e guardava seus livros desde pequena, colocando-os em prateleiras fixadas nas paredes do seu quarto.
Tinha uma lista dos livros que queria ler atualizada regularmente; pesquisava preço e colocava o valor do total no final da folha. A soma, ela reconhecia, era, quase sempre, bem significativa e, para a mãe, alarmante!
Assim, desenvolveu uma tática para não assustar a mãe logo de cara: ao mostrar a lista, colocava estrategicamente o polegar sobre o valor que representava o “total”.
Dessa forma, a garota sabia que a conversa rolaria mais tranqüila e acabaria, como sempre, com mãe e filha assinalando os livros que teriam prioridade na compra.
Pensando em tudo isso, saiu do quarto, animadíssima com a lista nas mãos, chamando pela mãe.
Encontrou-a no canto da sala, onde ficava seu “escritório”. Ela estava parada, ou melhor, paralisada, olhando fixamente para sua mesa de trabalho.
- Mãe, a minha lista está perfei...ta- falou, com a voz quase desaparecendo no final da frase e já emendando:
- Ai, não...a diarista nova!
A mãe continuava imóvel, olhar fixo no canto da sala, onde gostava de ficar trabalhando, lendo, escrevendo, pesquisando. Lá era o “território dela” e ai de quem invadisse, mudasse de lugar qualquer pedacinho de papel, alterando a organização que só ela entendia. Ela e mais ninguém podia mexer ali. Ela limpava, tirava o pó e mantinha a sua organização.
Todos que freqüentavam a casa, incluindo a gata da família, sabiam que aquele espaço era intocável, abrangendo todo e qualquer objeto, papel, clips ou ponta quebrada de lápis que fizesse parte dele. Na verdade, Maria Clara costumava dizer que se o “território da mãe”, fizesse parte de um filme americano teria uma placa “KEEP OUT” em letras vermelhas e fosforescentes.
Essa era a primeira recomendação que a mãe fazia quando uma nova diarista aparecia, como aconteceu naquele dia.
Gessy, esse era o nome da mulher que fez jus ao termo – diarista - e teve a atividade profissional na casa restrita a um único dia ao proclamar orgulhosa:
- Pronto, Dona Lívia, arrumei toda a sua papelada! Agora sim vai dar gosto ficar naquele canto e a senhora vai poder trabalhar direitinho!
Pronto, pensou Maria Clara, a invasora acabava de assinar seu pedido de demissão. O pior é que ela prosseguia falando, orgulhosa da empreitada.!
- Aqueles papéis que a senhora rabiscou, - explicou Gessy - estão guardadinhos numa pasta dentro da terceira gaveta, os pedacinhos de papel que nem dava pra ler foram pro lixo, os livros na estante, que afinal é o lugar deles né Dona Lívia, prosseguia a destemida organizadora numa lista interminável.
Os papéis rabiscados eram, na verdade, manuscritos, e sim, a mãe não abria mão de fazer rascunhos e anotações manuscritas. Os livros, agora na estante, estavam antes sobre a mesa com as passagens que interessavam devida e cuidadosamente marcadas pelos ditos papeizinhos.
A mãe permanecia estática, sem mover um músculo, observando sua mesa arrumadinha.
- Mãe...? – tentou a garota.
Nada, nenhuma reação.
De repente o rosto da mãe ficou pálido, depois rosa, pálido de novo e mal se via o contorno dos lábios. Ela colocou as mãos nos bolsos dos shorts que junto com regatas eram seu uniforme de trabalho em casa e, lentamente olhou para a inimiga invasora.
Seu olhar era um misto daquela mulher que não largava o furador de gelo no filme sobre um serial killer, com “eu sei o que você fez com as minhas coisas neste verão ”.
Até hoje Maria Clara não sabe se foi o anjo da guarda da mulher ou a expressão no rosto da mãe que foi calando a falante Gessy que, pegando seu pagamento que estava em cima da mesa da cozinha e lembrando que estava em cima da hora para pegar seu ônibus, saiu apressada.
Na semana seguinte, a mãe estava trabalhando no seu canto, Maria Clara devorando o livro que figurava no topo da sua lista, quando a avó, de repente manda:
- Que coisa estranha...aquela moça tão boazinha, a Gessy, nunca mais apareceu. O que será que aconteceu?
A garota dá um salto do sofá, arrasta a avó para o quarto e suplica:
- Vó, tô pedindo, por favor, abafa o caso!!!!
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