CRÔNICA DE PENSAR CLARICE       (France Day Suassuna)

"Minha alma tem o peso da luz. Tem o peso da música. Tem o peso da palavra nunca dita, prestes quem sabe a ser dita. Tem o peso de uma lembrança. Tem o peso de uma saudade. Tem o peso de um olhar. Pesa como pesa uma ausência. E a lágrima que não se chorou. Tem o imaterial peso da solidão no meio de outros."



As nuances dos sensíveis. É assim que eu definiria estes versos de Clarice Lispector.
Quando fala em alma com peso de luz, naturalmente devia estar sentindo o quanto necessitamos de iluminação frente às nossas questões existenciais.
Quando expressa o peso da música penso que se refere à densidade ou a leveza das melodias internas, ao compasso dos ritmos múltiplos e ecléticos do dia a dia, por mais que se viva uma rotina onde o sol nasce e se põe cotidianamente.
Alma com peso de lembrança. Quem não as tem? Um dia desses, me percebi passando a vida a limpo, simplesmente porque o hino nacional da copa do mundo, puxou o fio das minhas lembranças. De repente, lá estava eu a recordar de todas as copas mundiais, que vivi, ao lado das pessoas que amei, falo de família, de relações, de amizades... Momentos que não voltam, saudades que não cessam.
Comparar saudade a peso é ter coragem de se relacionar com esse sentimento; difícil, porque, geralmente, saudade grande vem regada de impossibilidade. Saudade que se resolve é saudade pequena, ao alcance dos olhos e das mãos, não costumamos dar muito valor à ela ou prestar-lhe a atenção que merece. Saudade eterna é a saudade de lembrança boa, aquela que acalenta e abastece, mesmo se sabendo ausente.
Chegamos então ao peso do olhar, olhar no sentido de perceber, de sorver, de adentrar, de descobrir, de cuidar. Olhar que é diferente de ver, ver que é físico e olhar que é espiritual e sensitivo. Só olhamos aquilo que nos é compatível e atrativo, olhar é a porta de entrada da eternidade de duas almas afins.
Talvez este seja o motivo que precede nos versos de Clarice o peso de uma ausência, pois, não há no universo uma cultura, mesmo as mais desprendidas, que possam estar preparadas, para viver a naturalidade de uma perda importante.
Há lacunas de sentimentos que nos acompanham para o resto de nossas vidas, e sorte, quando, mesmo em tempos já muito aquém de nossos sonhos, ainda podemos resgatar importâncias esquecidas.
E a lágrima que não se chorou? Como pesa o choro guardado, como pesa a lágrima impossibilitada, como pesa ter que sorrir para o mundo quando a vontade é de chorar sozinho, chorar, não exatamente de tristeza, muito mais de sensibilidade, pelos disparates e absurdos sociais que enfrentamos, pelas duras realidades que apenas vimos como espectadores, pelas atitudes pouco humanas de tantos que nos cercam, que o que fica é uma grande sensação de solidão acompanhada. Entretanto, vamos encontrando os mecanismos de nos bastarmos a nós mesmos, ou valorizarmos tão minimamente as coisas pequenas, que a vida, troca da alma, o peso, pela leveza de ser.
France Day Suassuna
Enviado por France Day Suassuna em 28/07/2006
Reeditado em 24/04/2007
Código do texto: T203943