OTELO
Vivia rondando pelo quintal, atrapalhando o sossego das galinhas e ninguém demonstrava gostar dele. Na hora do almoço, Otelo vencia a distância entre o quintal de sua dona Adelina e a nossa cozinha para ganhar ossinhos e pedaços de carne, eventualmente passados por baixo da mesa.
O cachorro menos bonito do mundo queria ser adotado pela nossa família, pois na casa de Adelina não havia aquela multidão de crianças de vários tamanhos, para dar-lhe boas alisadas no pelo sujo de tanto vadiar entre as três vacas do mini-curral de nossa vizinha.
Otelo desprezava seu lar de forma acintosa, só lembrado quando recebia um chute, uma canelada, ou um berro definitivamente claro: Sai daqui, vira-lata!
O coitado não guardava rancor. Além disso, o cheiro de nossa cozinha e o estômago vazio obrigava-no a voltar para baixo de nossa mesa onde recebia apetitosas sobras, atiradas a esmo. Criança e cachorro se entendem, a mesma coisa não acontece entre cachorro e adulto, ser imprevisível na maioria das vezes.
Um dia, Otelo magoou de modo involuntário o machucado na perna de um desses imprevisíveis seres, ora carinhosos, ora brutais, capazes de reagir estranhamente na hora em que sentem dor.
Nunca mais soubemos o fim do cachorro Otelo; ficou a triste lembrança de sua fuga repentina e do garfo enfiado entre seu pelo sujo e espesso.
Criança dificilmente assimila esses traumas.
MCC Pazzola