O TREM FANTASMA CARIOCA
Depois das balas perdidas, agora o trem fantasma; Soraya decidiu ir embora do Rio de Janeiro, antes que o navio do Rei Dom Sebastião chegasse em Copacabana.
Amava a Cidade Maravilhosa, mas estava cansada de morar num um lugar onde tudo poderia ocorrer.
Como qualquer moradora de cidade grande nutria um desejo quase esotérico de morar numa cidade pequena, numa casa de campo, onde ela pudesse ouvir muito rock rural; como cantava Rodrix. Como qualquer carioca que pagava os seus impostos, achava que o governo fazia muita vista grossa para o povo que morava nos morros, e não pagava luz, nem água, nem IPTU.
Já tinha sido assaltada num arrastão em Ipanema; já tinha sofrido um sequestro relâmpago na Barra da Tijuca; não mais abria as janelas do seu apartamento com medo dos fogos de mortifício que vinham da comunidade vizinha; e justamente no dia em que deixara o carro em casa, tentando provar para si mesma que poderia ir ao trabalho sem correr risco de ser assaltada no trânsito, o trem que viajara saiu da estação Ricardo de Albuquerquer sem maquinista.
Em princípio, ninguém reparou nada. Então, a velocidade aumentou, e alguém no primeiro vagão gritou: "o trem está sem maquinista!"
O pânico foi geral. Todos temiam que a qualquer momento, o trem se chocasse com outro trem ou coisa parecida.
Enquanto o trem fantasma avançava, ela orou, pedindo a todos os santos cariocas que se escapasse viva daquela experiência inusitada, deixaria o Rio para sempre. Os santos a escutaram, pois o trem parou na estação Oswaldo Cruz, logo depois.
Não houve feridos, só traumas para a vida inteira.
Horas depois, quando já estava em casa, Soraya ouviu na TV que a Supervia, empresa responsável pela linha, confirmava em parte a história dos passageiros e afirmou que o trem teve um problema operacional, às 6h15, que todo o episódio está sob apuração, mas o maquinista não havia descido em Ricardo de Albuquerque para verificar um defeito na parte elétrica. Aparentemente o funcionário da empresa que desceu do trem nessa estação e assistiu atônito o trem partir sozinho, nunca existiu. Funcionário fantasma, talvez. O que será que poderia ter ocorrido se o trem não tivesse parado quando a central de controle da Supervia, cortou a energia, pensou Soraya.
- Adeus, Rio! - disse ela, tentando esquecer o dia; e naquela mesma noite, Soraya arrumou as suas malas, comprou uma passagem de ônibus para Divinópolis em Minas Gerais, o único lugar do Brasil, onde a lei protege até mesmo as galinhas de serem carregadas de cabeça para baixo por quem as compra.