Ai, que dó do Haiti!
(feita para ser publicada no blog www.kuriate.com.br)
A mídia não para de falar sobre o terremoto no Haiti. Um país trágico pela sua história. Apesar de ter sido o segundo país da América a se tornar independente, e ainda por negros, não conseguiu se firmar como Estado, desenvolver-se e vir a ser uma nação pelo menos digna de ser assim chamada. "Livre", passou por guerras civis e foi governado por ditadores, sofrendo sanções e embargos econômicos. Sem falar numa das mais sangrentas ditaduras da história, com Papa Doc e Baby Doc, apoiada pelos EUA, em plena Guerra Fria.
No cenário internacional, está sendo usado apenas como instrumento do joguete das brigas de forças, poder e influência entre os países. O "bom" EUA do nobel da paz (Oba-)Obama manda tantos milhões, a França do garanhão Sarkozy manda tantos médicos, o Brasil do ex-metalúrgico Dr. Lula tenta enviar marmitas e é barrado. Até o Bush entrou na roda. Não há limites para aproveitar a miséria alheia. Ah! Os haitianos! É mesmo! Quem vai ser o fotógrafo que vai ganhar o prêmio de melhor foto do ano? Certamente, será uma imagem do Haiti. A mesma boca que beija é a que escarra, não é mesmo Augusto (dos Diabos)?
O tema do dia: compaixão. Segundo Milan Kundera, no seu famoso livro "A insustentável leveza do ser" - leitura obrigatória para os pseudo-intelectuais -, amar alguém por compaixão, não é amar de verdade, porque quem sente compaixão por outrem se coloca em uma posição superior, olha de cima para baixo, e estende a mão para o outro que sofre (depois lava a mesma mão com álcool em gel). Por esse motivo, ninguém está se interessando pelo povo haitiano. Todos querem tirar vantagem. Ora! Não me diga que você chora e reza por eles? Disso, concluo que a mídia fez um excelente papel, deu muito Ibope, vendeu muitos jornais e revistas. Ou uma segunda conclusão mais cruel, que você também está tirando uma casquinha, querendo se redimir de algum erro ao fazer um ato de caridade...
Kundera ensina ainda que compaixão significa sentir a dor do outro, um sentimento ruim ou medíocre, um "co-sofrimento". Já em outro sentido, uma palavra que significasse não só sentir o sofrimento alheio, mas qualquer sentimento, como dor, alegria, angústia, paz, gozo, frustração,... designaria, agora sim, o maior sentimento de todos, uma arte até, a "arte da telepatia das emoções". Dessa maneira, poderia-se amar de verdade.
Moral da crônica de hoje (e ainda vem com papinho de moral, cínico?): Se alguém um dia lhe disser "Tenho dó de você", desconfie. Falando nisso, conseguiu deixar o Haiti um pouco de lado agora? Ou ainda quer assistir mais ao Big Brother da dor? Como queira. Espere no sofá que vou buscar algo bem forte para beber, um lencinho perfumado com cheiro de lavanda e um terço para você rezar. A bebida é pra mim.
Referências: KUNDERA, Milan. A insustentável leveza do ser. Rio de Janeiro: Record, 1983, p. 25-26.