A TERRA É FIRME?
Conheço pessoas que não viajam por medo de avião.
Preferem fazê-lo via terrestre ou marítima.
O terremoto que assolou o Haiti enseja mais uma vez reflexão acerca da nossa certeza de segurança, estarmos com nossos pés plantados no chão.
Viajo em pensamentos e percebo o quanto a idéia de terra firme é ilusória.
Acesso a nave espacial trazendo astronautas vindos da Lua e ante a visão do planeta que se constatou apresentar a cor azul, resultado do efeito dos gases que a envolvem, imagino a pequena bola flutuando no espaço, com desenhos dos continentes, mares, rios, montanhas, florestas, apenas mais um dos mosaicos a vagar na imensa galáxia. Mas a frase do viajante espacial “A Terra é azul” sob o efeito da transmissão à distância, soou emocionada e poética.
Dentro dessa bola azul estamos nós, seres com a pretensão de constituirmos a maior inteligência do Universo, depois de Deus - para quem acredita; única para aqueles que entendem que a vida se esgota em si mesma; ou se transforma; ou torna ao pó de onde veio. Bem, mesmo a idéia de tornar ao pó, que seja ao pó cósmico, já dá um certo conforto.
E não é só a bola azul solta no espaço. Internamente ela se organiza em vários tapetes, as placas tectônicas. De vez em quando elas se movimentam, num processo de acomodação. Os movimentos de sobreposição ou de fricção geram energia, daí resultam nos terremotos (no continente) ou maremotos (nos oceanos) causando as tragédias sofridas pelos povos que habitam sobre as bordas dessas placas.
E quando isto acontece em países totalmente desapercebidos em todas os níveis como o Haiti, o que se dá é a grande tragédia e a constatação do horror que graças à modernidade das comunicações nós testemunhamos. O Japão, por exemplo, aprendeu com os eventos sofridos e tem construções capazes de suportar os movimentos da placa sobre a qual está situado.
O terremoto do Haiti suscita muitas reflexões. Que povo está preparado para se autossocorrer numa situação dessas? A maior nação do planeta mostrou eficiência em chegar ao Haiti: navio-hospital, porta-helicópteros, suprimentos, o controle imediato do aeroporto local; uma mobilização que evidencia o poderio bélico/humanista dos Estados Unidos em socorro dos caribenhos. No entanto, quando houve o furacão Katrina, não ocorreu a mesma prontidão. Ou aconteceu um aprendizado com o fato ocorrido em Nova Orleans, ou a maior sensibilidade do Presidente Obama fez a diferença, ou as duas coisas associadas. A união dos países na atuação no Haiti é outro aspecto para se analisar. O próprio Brasil, lá presente em missão de paz, responsável pela pacificação do país, necessitou rapidamente mudar o foco da sua missão, vê seu trabalho de cinco anos entrar em colapso, sofre baixas e constata sua fragilidade diante de uma catástrofe com a dimensão da ocorrida lá. Não sei se o Brasil, com uma costa litorânea imensa, possui um navio-hospital tão bem equipado quanto seu parceiro norte-americano.
Passado o fenômeno sísmico, as questões humanas e sociais se agigantam. As condições sub-humanas são lançadas na cara do mundo, que se mobiliza de fato e em promessas.
As ONGs se fazem presentes. Os soldados prestes a voltarem para casa permanecem em socorro às vítimas. Os países parceiros multiplicam soldados nessa frente. Vencida a dificuldade de acesso, o socorro começa a chegar à multidão faminta, sedenta, desabrigada, temerosa, sofrida, os ataques de violência. O maior desafio: devolver a esperança e a crença à população de que pode ser um povo, uma nação livre, digna, justa, capaz.
Outro desafio agora é os governantes das nações parceiras se entenderem, respeitando o mandatário do país atingido, que nada pode fazer, tem como sede uma delegacia que resistiu ao tremor, mas é o governante daquele povo e precisa ter vez e voz.
A verdade é que certeza de segurança não há. Somos viajantes surfando sobre a imensa prancha chamada Terra, impulsionados por uma energia chamada Vida. Quem sabe a morte será um movimento de acomodação ou de mudança de um processo maior sobre o qual especulamos ou cada um tem a sua crença?
Enquanto isso, na nave Terra...
18.01.10