Gata

Gosto de bichos desde criança. A minha infância, como não havia ainda a necessidade de intervenção de órgãos como o IBAMA, foi cercada por cachorros, gatos, papagaios e até um tatu. Gosto deles na mesma proporção em que tenho pavor de insetos, mas isso é outra história.

Atualmente tenho uma gata que fica ao meu lado o tempo todo. Ela vivia numa casa ao lado da minha e quando mudei para o apartamento ela resolveu que mudaria comigo. Como sua dona não a queria mais, pois a filha havia cansado do “brinquedo”, não resisti e levei-a comigo.

Quando me escolheu – sim, foi dela a decisão de que eu seria sua dona – tinha um nome tão ridículo que não revelo aqui para não constrangê-la. Tentamos minha filha e eu, uma lista imensa de nomes, mas ela ignorava-os teimosamente.

Um dia, ao referir-me a ela tratei-a por “gata” e ela respondeu imediatamente com um miado e veio para perto de mim. Assim, não por falta de imaginação, mas, mais uma vez por escolha dela, passamos a chamá-la de “Gata”.

Outro dia saí de casa e deixei a janela do meu quarto aberta, o que é normal, considerando o calor e o fato de morar em apartamento no décimo quarto andar.

Além do calor intenso, o sol forte lá fora impediu que sequer passasse pela minha cabeça a possibilidade de chuva. Mas, ela veio de repente e acompanhada de ventos fortes.

Só fui lembrar-me da janela aberta quando, ao abrir a porta do apartamento escutei os miados vindos do meu quarto. Corri para lá e da porta constatei os estragos causados pela chuva que ainda persistia.

Os livros que estavam na mesa de cabeceira estavam encharcados, bem como parte da cama e, nessa parte, estava a “Gata” toda molhada, deitada, esparramada sobre os cadernos e pastas onde guardo meus rascunhos manuscritos.

Sim, eu ainda faço e guardo muito material manuscrito e a “Gata” como que sabendo, sentindo, o quanto são importantes para mim protegeu-os da chuva.

Secando-a com uma toalha, agüentei firme seus “protestos” através de miados indignados, afinal foi preciso ter muita coragem para enfrentar tanta água para proteger as coisas que prezo tanto.

Por outro lado, conhecendo-a como conheço, tenho certeza que ela ponderou entre proteger os livros ou os manuscritos, optando pelo mais frágil, "em todos os sentidos."

Depois desse dia, quando vou sair de casa e ela começa a miar e enroscar-se nas minhas pernas, volto imediatamente, pois sei que alguma janela ficou aberta.

Fecho a janela e aceito resignada o olhar dela dizendo-me algo como: “o que seria de você sem mim?” ou então “outro banho nem pensar!”