HÓSPEDES ALADOS
Já fui menino de estilingue no pescoço, implacável caçador de passarinhos. Mas hoje, não. Sou chegado a uma relação mais amistosa com os bichos e com a Natureza (com N maiúsculo). Talvez essa minha mudança comportamental tenha sido causada pelo filme russo-japonês “Dersu Uzala”, do diretor Akira Kurosawa, que infundiu em mim profundo respeito à Natureza. Sou outro, depois de tê-lo assistido algumas vezes.
Faz seis meses, mais ou menos, voltei a habitar minha antiga casa em Montes Claros, depois de havê-la reformado. No quintal, algumas transformações deixaram a denominada “área de lazer” mais agradável. Fiz questão de lá afixar um armador de rede, para o meu balangar contemplativo.
Pois bem. Sempre que ali estava, um pássaro vinha se mostrar, todo exibido, cantando do alto da cumeeira da casa do meu vizinho Murilo Maciel. Sei que ele me via e trinava para mim. E eu nem mesmo sabia o seu nome, embora gostasse do seu canto.
Numa ida recente à praia de Itacaré, na Bahia, com um grupo montes-clarense, ouvi um canto que me lembrou do pássaro exibido de Montes Claros. Coincidência ou não, estava na boa companhia do Zé Carlos Maciel, irmão do meu vizinho Murilo. E foi ele, do alto de sua sapiência passarinheira, que me disse o nome daquela canora ave: era um sabiá.
Quando voltei a Montes Claros, o passarinho exibido agora tinha nome. Mas não cantava ainda nas minhas palmeiras – como na Canção do exílio, do Gonçalves Dias -, já que os buritis que plantei agora têm pouco mais de um metro de altura. O sabiá voltou a mostrar-se gorjeando bela melodia, no alto do poste de energia elétrica, em frente à minha casa. Peguei a filmadora e passei a registrar aquele canto. Aí é que ele estufava o peito e trucilava... Parecia querer conquistar-me.
Pois faz quinze dias, estando no meu filosofar vespertino, a bordo da rede cearense, noto certo alvoroço do sabiá no meu entorno. Espiava-me do alto da calha, dava sobrevoos rasantes por cima da rede, pousava no madeiramento do telhado e me fitava ameaçador. Estranhei aqueles novos modos nada amistosos do meu velho conhecido. Mas pude notar que carregava algo no bico. Percebi que, de alguma forma, eu devia estar ameaçando o “seu” território em minha própria casa.
Será que seu ninho estaria por ali e ele precisava alimentar seus filhotes?
Como não me assustei com o seu olhar intimidatório, o sabiá voou até o alto da coluna, onde estava instalado um dos ganchos da rede, e dali vieram piados de filhotes. De fato, eu era um intruso, naquele momento. Peguei minhas coisas e os deixei à vontade para aquela frugal refeição vespertina.
Nos dias seguintes, ao aparar meu cavanhaque, do banheiro sempre ouvia o chilrado dos filhotes, e até as aulas de canto do velho sabiá. Eram apenas quatro notas, talvez para identificar aquela ninhada...
Assim, de uma hora pra outra, minha casa foi invadida por filhotes de sabiá. Um, debaixo do carro na garagem, sempre me espiava quando assistia ao jornal televisivo matinal, com atitude destemida e olhar triste, com a plumagem amarronzada brotando viçosa. Outro, mais atrevido, foi encontrado sobre a mesa de passar roupas, demonstrando que ainda não havia adquirido educação bastante para controlar seu esfíncter anal. Sujara várias camisas lavadas, com o seu estrume ácido.
Ainda bem que são hóspedes fugazes. Procurei-os no ninho, ainda há pouco, e já haviam partido em retirada, para encher de canto o Jardim São Luiz.