Os jegues na Lavagem do Bonfim
Não participo da Lavagem do Bonfim há muitos anos. Ali pela década de 1960, por três ou quatro vezes, acompanhei o cortejo ao lado das baianas, todas vestidas a caráter, protagonistas de um emocionante espetáculo de fé que só na Bahia se vê.
Caminhava, sem chiar, os oito quilômetros que ligam a igreja de Nossa Senhora da Conceição da Praia à Basílica do Bonfim, o percurso oficial do mais afamado séquito religioso do Brasil.
Que me perdoem os paraenses, como a sua belíssima procissão dos Círios de Nazaré.
Chegando às escadarias do mais importante e venerado templo da Bahia, como católico praticante, pedia a proteção do Senhor do Bonfim; enquanto, ao meu lado, o uma adepta do Candomblé fazia sua saudação solene e respeitosa ao seu pai Oxalá.
Dava-se, ali, o comovente encontro de religiões aos pés do mesmo altar. Simplesmente fantástico!
Mas do que em qualquer outro momento, é na Festa do Bonfim (que termina hoje) que o sincretismo religioso, praticado na Terra da Felicidade, mais se evidencia e se afirma.
A Lavagem do Bonfim, parte dessa festa, existe há quase três séculos. Até onde sei, nasceu do desejo dos devotos do Senhor do Bonfim de homenagear o padroeiro da Bahia, lavando, com água de cheiro, as escadas e o adro da sua igrejinha, no alto da colina sagrada.
Mas com o tempo, o cortejo da Lavagem foi perdendo sua originalidade.
Primeiro virou uma bagunça com a adesão dos trios elétricos. Com a participação desses gigantescos caminhões berrantes, o cortejo foi se transformando numa festa profana; aproximando-se, em determinados momentos, da baderna e da irreverência.
Ao cortejo, que se fazia a pé, no lombo de um jegue brilhantemente ornamentado, ou em carroças enfeitadas, com a chagada dos trios, virou um corso momino.
A partir daí, não faltaram os irreverentes cachaceiros, enquando belas mulheres, trepadas em caminhões barulhentos, exibiam seus umbigos, ao tempo em que seus seios bamboleavam ao som de músicas carnavalescas.
Ora, esse pagode, não devia agradar ao Dono da festa, por mais compreensivo que o Senhor do Bonfim fosse com os baianos.
Diante de tudo isso, me senti incomodado. E sem pestanejar, segui o velho conselho, segundo o qual, são os incomodados que devem se "arretirar"...
Pedi licença ao Nosso Senhor do Bonfim, e caí fora. Nunca mais voltei à Lavagem, apesar da proibição da participação dos trios elétricos na famosa procissão.
Os jegues.
Em determinado instante da história, eles foram o transporte preferido dos devotos no cortejo da Lavagem.
Compareciam ricamente ornamentados. Na Bahia, se diz muito que "fulano está mais enfeitado do que jegue na Lavagem do Bonfim".
Agora, assuntem só. Este ano, por pouco eles não foram impedidos de participar do cortejo da Lavagem.
ONGS, com o apoio do Ministério Público e da OAB, ajuizaram uma Ação Civil Pública, com base na Lei 9 605, de 1998, pedindo que os jumentos fossem retirados do desfile. "Eles são maltratados", alegaram os impetrantes.
Sensatamente, o Juiz julgou a ação improcedente.
Mas impôs às autoridades, sob pena da aplicação de multas pesadiíssimas, a obrigação de cuidar dignamente de todos os animais que participassem da festa.
Nada contra a que se adotem vigorosas medidas em defesa dos animais. Mas por que só na Lavagem do Bonfim essa preocupação toda com os jegues? Não entendi. Quando se sabe que, em Salvador, dezenas de animais abandonados perambulam por suas avenidas e praças.
Noite dessas, quando me dirigia ao aeroporto da cidade, para não atropelar um cavalo que cruzava lentamente o meu caminho, quase morri.
Cuidar dos animais, claro, mas não somente durante os festejos do Bonfim.
Cuidemos deles todos os dias.
E dos jegues, em especial, aos pouco sendo abandonados por seus donos, porque substituídos por sofisticadas motos, até nas veredas do sertão.
O que se devia proibir era a presença, no cortejo da Lavagem do Bonfim, dos políticos profissionais, sabendo-se que eles, na sua grande maioria, não têm a coragem e a dignidade de um jegue. Ah, se isso fosse possível!
PT, saudações.
Não participo da Lavagem do Bonfim há muitos anos. Ali pela década de 1960, por três ou quatro vezes, acompanhei o cortejo ao lado das baianas, todas vestidas a caráter, protagonistas de um emocionante espetáculo de fé que só na Bahia se vê.
Caminhava, sem chiar, os oito quilômetros que ligam a igreja de Nossa Senhora da Conceição da Praia à Basílica do Bonfim, o percurso oficial do mais afamado séquito religioso do Brasil.
Que me perdoem os paraenses, como a sua belíssima procissão dos Círios de Nazaré.
Chegando às escadarias do mais importante e venerado templo da Bahia, como católico praticante, pedia a proteção do Senhor do Bonfim; enquanto, ao meu lado, o uma adepta do Candomblé fazia sua saudação solene e respeitosa ao seu pai Oxalá.
Dava-se, ali, o comovente encontro de religiões aos pés do mesmo altar. Simplesmente fantástico!
Mas do que em qualquer outro momento, é na Festa do Bonfim (que termina hoje) que o sincretismo religioso, praticado na Terra da Felicidade, mais se evidencia e se afirma.
A Lavagem do Bonfim, parte dessa festa, existe há quase três séculos. Até onde sei, nasceu do desejo dos devotos do Senhor do Bonfim de homenagear o padroeiro da Bahia, lavando, com água de cheiro, as escadas e o adro da sua igrejinha, no alto da colina sagrada.
Mas com o tempo, o cortejo da Lavagem foi perdendo sua originalidade.
Primeiro virou uma bagunça com a adesão dos trios elétricos. Com a participação desses gigantescos caminhões berrantes, o cortejo foi se transformando numa festa profana; aproximando-se, em determinados momentos, da baderna e da irreverência.
Ao cortejo, que se fazia a pé, no lombo de um jegue brilhantemente ornamentado, ou em carroças enfeitadas, com a chagada dos trios, virou um corso momino.
A partir daí, não faltaram os irreverentes cachaceiros, enquando belas mulheres, trepadas em caminhões barulhentos, exibiam seus umbigos, ao tempo em que seus seios bamboleavam ao som de músicas carnavalescas.
Ora, esse pagode, não devia agradar ao Dono da festa, por mais compreensivo que o Senhor do Bonfim fosse com os baianos.
Diante de tudo isso, me senti incomodado. E sem pestanejar, segui o velho conselho, segundo o qual, são os incomodados que devem se "arretirar"...
Pedi licença ao Nosso Senhor do Bonfim, e caí fora. Nunca mais voltei à Lavagem, apesar da proibição da participação dos trios elétricos na famosa procissão.
Os jegues.
Em determinado instante da história, eles foram o transporte preferido dos devotos no cortejo da Lavagem.
Compareciam ricamente ornamentados. Na Bahia, se diz muito que "fulano está mais enfeitado do que jegue na Lavagem do Bonfim".
Agora, assuntem só. Este ano, por pouco eles não foram impedidos de participar do cortejo da Lavagem.
ONGS, com o apoio do Ministério Público e da OAB, ajuizaram uma Ação Civil Pública, com base na Lei 9 605, de 1998, pedindo que os jumentos fossem retirados do desfile. "Eles são maltratados", alegaram os impetrantes.
Sensatamente, o Juiz julgou a ação improcedente.
Mas impôs às autoridades, sob pena da aplicação de multas pesadiíssimas, a obrigação de cuidar dignamente de todos os animais que participassem da festa.
Nada contra a que se adotem vigorosas medidas em defesa dos animais. Mas por que só na Lavagem do Bonfim essa preocupação toda com os jegues? Não entendi. Quando se sabe que, em Salvador, dezenas de animais abandonados perambulam por suas avenidas e praças.
Noite dessas, quando me dirigia ao aeroporto da cidade, para não atropelar um cavalo que cruzava lentamente o meu caminho, quase morri.
Cuidar dos animais, claro, mas não somente durante os festejos do Bonfim.
Cuidemos deles todos os dias.
E dos jegues, em especial, aos pouco sendo abandonados por seus donos, porque substituídos por sofisticadas motos, até nas veredas do sertão.
O que se devia proibir era a presença, no cortejo da Lavagem do Bonfim, dos políticos profissionais, sabendo-se que eles, na sua grande maioria, não têm a coragem e a dignidade de um jegue. Ah, se isso fosse possível!
PT, saudações.