RECIFE

O caso do Recife foi de amor à primeira vista ...

Cheguei exatamente no mês de setembro/1972, em pleno verão. Dias de sol, muita claridade, o mar verdinho, verdinho, as praias cheias de gente, tudo aquilo me cativou logo de cara. Também não era para menos:- a cidade é bonita demais.

A filial da “EB” era grande, bem equipada, com um corpo de funcionários muito consciente, profissional. Gente boa, a pernambucana. Arredios, de início, mas tornam-se amigos após conhecer bem o forasteiro. E com uma característica muito forte:- se não gostam do fulano, dizem logo. Não são de falsear a verdade. Tudo com muita simplicidade e espontaneidade.

Entrosei-me logo, inclusive participando do time de futebol da Filial, composto pelos colegas administrativos. Ainda estava jovem para a prática desse esporte do qual tanto gosto. Fizemos boas partidas, inclusive uma excelente campanha durante a realização do Campeonato dos Comerciários (futebol de salão), terminando como Vice-Campeões.

Fora das atividades profissionais, passei no vestibular e ingressei na Universidade Católica de Pernambuco, a UNICAP, onde estudei e me formei em Direito, de 1974 a 1979. Meu nome está lá, gravado no bronze da enorme placa encomendada pelos bacharéis daquele ano de 79, juntamente com os dos outros colegas, o Djalma, Paulo, Maurício, Arthur,Vitor, Odival, Virgilio, Galdino, Gilvan e tantos outros. Infelizmente, já não tinha mais a ilusão dos jovens acadêmicos e não me esforcei como deveria no curso jurídico. O desencanto, inclusive, com os caminhos vividos pelo Brasil na época, em que a “Revolução” mantinha um sistema de violenta repressão policial, principalmente no meio universitário, cerceando as liberdades, o contato com a dura realidade do momento, tudo isso abalou meu ideal de advogado, sempre proclamado com veemência desde os meus tempos de ginasiano, fazendo com que eu apenas cumprisse formalmente minha obrigação de estudante, sem maiores interesses pelo curso.

Saí formado da universidade e continuei na “Britânnica”, procurando cada vez mais a afirmação no campo profissional, no que fui bem sucedido, graças a Deus.

No Recife, conhecemos belos lugares, passeios inesquecíveis:- a praia famosa do Porto de Galinhas, onde costumávamos acampar nos feriadões, Tamandaré, outro lugar muito bonito, Ponta do Sernambi, o Janga, com sua famosa “Ciranda da Dona Duda”, Pau Amarelo, Maria Farinha, a Ilha de Itamaracá, o Cabo de Santo Agostinho, Suape e Gaibú, uma verdadeira pintura esta última! ...

No interior, a famosa Feira de Caruaru, a “Princesa do Agreste”, Vitória de Santo Antão e sua “Pitu”, “Serra Grande”, ambas aguardentes famosíssimas, além da sua deliciosa jia grelhada na brasa dos restaurantes, Garanhuns e seu clima de serra, terra de gente braba, Bezerros e sua tradicional vaquejada, Goiana e a “Toca do Guaiamum”, onde caranguejos ensinados vinham nos brindar com o copo de cerveja preso nas suas imensas patolas (acreditem!), Olinda e as suas ruelas estreitas, seus morros, suas igrejas, Igarassu, uma das mais antigas cidadezinhas do Brasil.

No Recife mesmo, existem lugares pitorescos, como o Páteo de São Pedro, a Pracinha do Diário de Pernambuco, os bairros do Recife, o Caís do Porto e sua boemia, São José, Santo Antonio, três ilhas dentro da própria cidade do Recife, a Rua do Sol, a Rua Aurora e o internacionalmente conhecido “Buraco da Otília”, onde se come o melhor sarapatel do mundo, a Rua Nova, as pontes que cortam o centro, o Mercado de São José, a Casa da Cultura e muitos outros lugares interessantes.

Do Recife se vai a João Pessoa, já na Paraíba, estado fronteiriço, com apenas noventa minutos de carro. Outra cidade maravilhosa é João Pessoa, com a Praia de Tambaú, a Ponta do Seixas, seu artesanato, suas comidas, seu povo bom e hospitaleiro. Andando mais, chega-se a Campina Grande, a capital econômica do estado, comércio ativo, movimento enorme, um calorão violento.

Descendo em direção ao sul, chega-se a Maceió, capital das Alagoas, com apenas três horas de viagem. Outra bela cidade, com a maravilhosa Praia de Pajuçara e a Lagoa do Mundaú, onde se come um extraordinário sururu (um marisco) com macaxeira.

Ainda em Pernambuco, no mês de abril, pode-se (e deve-se) conhecer Fazenda Nova, um pouco depois de Caruaru, onde, durante a Semana Santa, encena-se em Nova Jerusalém a Paixão de Cristo, ao vivo, no maior palco teatral do mundo:- uma verdadeira cidade de pedra, réplica de Jerusalém, encravada no sertão agreste, cujos moradores participam do espetáculo, visto por turistas do Brasil e do mundo. Belo e comovente, exibindo toda a força e a criatividade da gente nordestina.

Fiz alguns bons amigos, como o Arnaldo “Baixa” Patrão, gerente de banco (depois Diretor), o Dias, o Chico Cavalcanti e o Geraldão, meu companheiro de acampamento e pescarias inesquecíveis em Porto de Galinhas. Geraldão tinha uma tabela de marés e quando coincidia maré baixa, própria para a pesca da lagosta em Porto de Galinhas, ele me convidava.

Em 02/02/79 escrevi a crônica abaixo, sobre tais pescarias:-

“- Mulher, hoje vou pescar lagosta com o Compadre Geraldão.”

“- Mas, bem, logo neste sábado? Queria tanto ver aquele filme do Alain Delon, que entrou em cartaz no Ritz”.

“- Olha, filha, nem que estivessem exibindo a Sophia Loren, sabe? Hoje a maré tá seca mais cedo, lua clara, boa pra lagosta. Tou com a cachorra, sabe?”

A mulher sabia. Quando ele se dispunha a sair praquelas pescarias de lagosta, com o Compadre Geraldo, às vezes com o Soutinho, o Moreira também, o negócio era concordar sem resmungar ... O cinema que ficasse pra depois. Filme bom, artista bonito, talvez demorasse em cartaz. Mesmo porque a pescaria do marido, justiça se lhe faça, era um divertimento sadio, honesto. Ele saía pra pescar mesmo. A Praia de Porto de Galinhas, seus arrecifes, coqueiros, o areal, ela conhecia bem o lugar, pois acampavam ali. E, nos acampamentos, não faltavam a lagosta e o peixe que ele e seus amigos pegavam ali mesmo.

O “Corcel” azulão do compadre Geraldo corria célere pela estrada, logo estavam em Nossa Senhora do Ó, vilarejo de pescadores próximo ao local da pescaria. Pararam e, como de hábito, foram ao único boteco do lugar, a fim de molhar a garganta. Geraldão estava alegre e o seu compadre não ficava atrás. Depois dumas “louras geladas”, acompanhadas duma excelente fritada de caranguejo, reencetaram viagem. O “Corcel” fungava e, pouco depois, Porto de Galinhas! ...

Umas duas ou três barracas de camping ao derredor, em meio aos coqueiros, indicando que aquele fim de semana seria dos campistas, silêncio, vento e areia dominando a paisagem calma. As ondas quebravam na praia deserta, mansamente. A maré secava depressa, não era ainda nove horas da noite.

Geraldão se armou dos seus apetrechos, óculos, pés de pato, arpão, cinturão de chumbo, faca amarrada à barriga da perna, luvas, uma trenheira medonha. Parecia um gladiador romano. Aproximaram-se alguns curiosos, olhando admirados aqueles dois caras raçudos.

“- É muito peito entrar n’água essa hora, heim, prezado?”

“- É, mas estamos acostumados” – responderam, peitos estufados de orgulho juvenil. “- Vamos lá, compadre? Boa pescaria procê ...”

“- Procê também, amigo velho!”

Duas horas mais tarde, voltaram. Geraldão trouxe umas trinta lagostas e, de quebra, tinha arpoado um Linguado, peixe de rei, bem ali nas águas claras de Porto de Galinhas. Chegou ofegante, ergueu o peixe e falou:-

“- Compadre, este eu tava lhe devendo, lembra?”

Abraçaram-se, riram, comemoraram sozinhos o sucesso da pescaria, arranjaram depressa seus troços antes que os curiosos voltassem, meteram no porta-malas do “Corcel” e despinguelaram de volta, doidões pra chegar em casa e curtir com as mulheres o tremendo sucesso daquela noite de pesca. Já era madrugadinha! ...

No sábado, enquanto degustavam o Linguado, entre goles de vinho, o assunto era um só e rendeu pra burro. O peixe estava uma delícia, Dona Mari caprichara no tempero, o papo agradável. Alain Delon e o filmezinho ficaram na saudade ...”

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Porto Alegre, 29/04/86

RobertoRego
Enviado por RobertoRego em 17/01/2010
Código do texto: T2034425
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