BRASILIA E ANÁPOLIS

Após o saudoso tempo vivido no Recife, nos mudamos para a capital federal, Brasília, no Planalto Central, região dos cerrados.

Demiti-me da “Britânnica” depois de quinze anos de bons serviços, numa boa, após ter recebido convite do Grupo SóFrango de Brasília, para trabalhar nas suas empresas. Assim, com dificuldade, pois o sentimento foi enorme, de lado a lado, desliguei-me da “EB” e me mudei de mala e cuia para Brasília, passando antes por Belo Horizonte com a família, como sempre.

Em Brasília, a adaptação não se consumou, pois estranhamos tudo, desde o clima até o comportamento social das pessoas. Cidade planejada para servir ao governo federal, população flutuante, gente de todo o canto, um custo de vida muito alto, clima seco, tudo isso colaborou para que sentíssemos, cada vez mais, saudades do Recife, principalmente os garotos.

Houve um episódio, por exemplo, do qual jamais esquecerei:- entrando no quarto do meu filho mais velho, Cássio, num sábado pela manhã, deparei com ele sentado na cama, o queixo apoiado nas mãos, ouvindo um disco do seu conjunto de rock favorito (Pink Floyd), com duas lágrimas correndo-lhe mansamente pelo rosto. Fiquei engasgado e tive uma sensação de culpa, a qual me perseguiu durante muito tempo. Mas, afinal eu me mudara pensando, como de hábito, no melhor para toda a família. E, como tive oportunidade de dizer ao Cássio, mais tarde, na vida a gente tem fases e faz escolhas, e a sua vida não era diferente:- chegara ao Recife ainda guri, com apenas oito anos, saiu da puberdade e entrou na adolescência curtindo suas praias, seus amigos, seu surf e suas ondas, dançando nas discotecas da moda, e agora chegara o momento de assumir responsabilidades, preparando-se para o vestibular da UNB, para fazer Engenharia Elétrica, conforme seus propósitos.

Felizmente ficamos apenas quatro meses em Brasília. Ofereceram-me a gerência da Nutrigoiás, a fábrica de ração do grupo em Anápolis/GO, interior goiano, distante uns duzentos quilômetros de Brasília, e aceitei o desafio.

Assim, nos mudamos em janeiro de 1981 para a bela cidadezinha de Anápolis, onde vivemos durante um ano e meio, mas que valeram por uns dez anos de nossas vidas, e onde nos sentimos bastante gratificados no campo espiritual, pois conhecemos e passamos a freqüentar a “Tenda da Esperança”, cujo mentor é o nosso Pai Joaquim de Angola e cuja babalorixá, Dona Luci Ribeiro, mineira de Paracatu há muitos anos radicada em Anápolis, nos cativou a todos pela amizade, pelo carinho e pelo amor dedicado aos seus filhos de fé.

Anápolis é uma cidade de apenas 180.000 habitantes, a primeira do interior goiano, sede da base aérea dos aviões “Mirage”, considerada zona de segurança nacional, importante núcleo de criação de gado e produção agrícola, com fazendas de milho, soja e arroz, principalmente.

Situada num vale, descortinando um maravilhoso horizonte, muito verde à sua volta, cidade muito limpa, clima excelente, muita fartura, sua gente é simples e amiga, bem ao estilo mineiro. Aliás, costumamos dizer que “goiano é mineiro que fugiu pro mato”, pois a identidade de princípios é enorme entre mineiros e goianos.

Um comércio ativo, predominando turcos, árabes e libaneses, as ruas muito limpas, lugar de gente bonita, estávamos nos dando bem ali. Pela primeira vez, meus filhos, mormente o Daniel, o caçula, puderam ter seus bichos de estimação. Ana Claudia ganhou uma cadela da raça dálmata, de nome “Alpha”, o Daniel teve preás, papagaio, periquitos, galo e galinha garnisés (o “Pedro” e a “Rosa”) e até um jabuti batizado por “Miguel”. O Cássio passeava com a “Alpha” até pelo centro da cidade, desfilando a elegância e a beleza da cachorra.

Estudavam no Colégio Auxilium, das irmãs de caridade, que primavam por ministrar uma educação esmerada aos seus alunos, tinham sua patota, estavam felizes. O Cássio jogava vôlei e continuou a praticar o “karatê”, começado no Recife e seguido em Brasília. Estava concluindo o Científico e se preparava para o vestibular. Ana Claudia também estudava no Auxilium, juntamente com o Daniel. Eu, no trabalho, e a Dona Mari na labuta da casa. Era uma vidinha gostosa, quando ocorreu o episódio do meu desemprego:- a fábrica de rações foi vendida para um grupo paulista que trocou toda a sua administração por gente vinda da Matriz. De repente, vi-me desempregado numa cidade pequena, sem campo, foi brabo, seu! Mas fui à luta, inscrevi-me no SENAC e ministrei alguns cursinhos na área de administração e gerência, minha especialidade. E fui apresentado ao Diretor do CEAG/GO pelo amigo Rui Bueno, do CDL anapolino, sendo contratado como Técnico e Consultor para Anápolis, onde pretendiam montar um escritório, extensão do trabalho desenvolvido em Goiânia, a capital.

Assim, devagar, ganhando menos, fui recomeçando a minha vida profissional. Quando as coisas estavam melhorando, eis que sou chamado à Goiânia e me avisam que o escritório de Anápolis seria fechado, para redução de custos operacionais, uma vez que a SEPLAN, órgão mentor dos CEAG’S em todo o Brasil, determinara cortes violentos nos orçamentos. Assim é que fiquei novamente desempregado na cidade. Aí o saco encheu, arrumei a mudança e me mandei para Belo Horizonte, em busca de novo rumo para as nossas vidas.

De qualquer forma, sentimos bastante a partida de Anápolis, principalmente pelos amigos feitos na “Tenda da Esperança”, entre eles a Dona Luci e o Rubão, seu marido, o Aristides e a Lucia, a Dona Julia e o Seu Wilson, o Seu João e muitos outros.

Mas, vida de marinheiro é assim mesmo e partimos em busca de novos portos.

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Porto Alegre, 11/1986

RobertoRego
Enviado por RobertoRego em 16/01/2010
Código do texto: T2032858
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