TATUAGENS E PIERCINGS NO INTERIOR
Também mentia, defeito agradável aos frequentadores da Venda de Adonias, bem no Centro de Itabaiana, onde faziam habitual roda em torno das suas conversas. Valdo Enxuto, dizendo a verdade ou inventando, contava e recontava, com gosto, ter visto a gringa da Aliança Para O Progresso, na beira do açude, quase despida, porém toda vestida de tatuagens. Fora o fio amarelo entre as nádegas, não havia um pedaço de pele nua, só tatuagens. E fantasiava: “- Imagine quando desbotarem aquelas pinturas!...” Descrevia que existia de tudo: dragões cuspindo fogo, borboletas, bruxas em cabos de vassoura, lua, sol, aves de rapina, flores, peixes e, nas partes mais íntimas, o céu com figuras sagradas. Ele nunca foi de rejeitar beleza de mulher, daí seu popular epônimo. Mas, confessou que aquela confusão de cores e gravuras de santo afastaram o desejo dele. Senti poesia na sua descrição; recordei-me do poeta Jorge de Lima a nos falar do Grande Circo Místico, onde Margarete “tatuou o corpo sofrendo muito por amor de Deus, pois gravou em sua pele rósea a Via Sacra do Senhor dos Passos. E nenhum tigre a ofendeu jamais; e o leão Nero, que já havia comido dois ventríloquos, quando ela entrava nua pela jaula adentro, chorava como um recém-nascido. Seu esposo – o trapezista Ludwig nunca mais a pode amar...”
Em seguida, o vicentino Fernando Cabral comparou aquele capricho a uma autoflagelação, suplício consentido aos santos. Adonias, ironicamente, rebateu ser tal sofrimento rejeitado até por boi, quando queimado pelo ferrão com as marcas do dono. “Qual prazer seria suportar desenhos picotados na pele, sem se ter couro de bicho?” perguntou Porfírio. E se a tatuagem fosse obrigatória? Ele mesmo respondeu que os vaqueiros de Zé Mário, ao marcarem com ferrete as iniciais do fazendeiro no gado, lamentam a “judiação”. De repente, um professor do Dom Bosco, quase recitando versos de Disparada, reparou que gado a gente ferra, mas com gente é diferente. Comentou Nélson do Posto: “- Vá atrás que chora, quando toma injeção”.
A conversa rendia. Então, Lenildo aproveitou para dar-lhe caráter ideológico: são coisas do “mundo capitalista”. Enxuto retomou a palavra: “- A gringa, não satisfeita com as estampas, enfiou piercing por tudo quanto é parte. Além das orelhas, furou o nariz, as bochechas, o umbigo... o resto não se via. Mas, dava pra notar que estava todinha alfinetada...”; o assunto encheu a boca dos que bebericavam na Venda de Adonias. Também protestaram os moralmente contra tal novidade e, finalmente, sentenciou Major Raul: “- Essa cabrita deveria ter nascido com um chocalho espetado no couro, listada como zebra, pintada como onça ou malhada como bode. Esse mundo está virado!”
Também mentia, defeito agradável aos frequentadores da Venda de Adonias, bem no Centro de Itabaiana, onde faziam habitual roda em torno das suas conversas. Valdo Enxuto, dizendo a verdade ou inventando, contava e recontava, com gosto, ter visto a gringa da Aliança Para O Progresso, na beira do açude, quase despida, porém toda vestida de tatuagens. Fora o fio amarelo entre as nádegas, não havia um pedaço de pele nua, só tatuagens. E fantasiava: “- Imagine quando desbotarem aquelas pinturas!...” Descrevia que existia de tudo: dragões cuspindo fogo, borboletas, bruxas em cabos de vassoura, lua, sol, aves de rapina, flores, peixes e, nas partes mais íntimas, o céu com figuras sagradas. Ele nunca foi de rejeitar beleza de mulher, daí seu popular epônimo. Mas, confessou que aquela confusão de cores e gravuras de santo afastaram o desejo dele. Senti poesia na sua descrição; recordei-me do poeta Jorge de Lima a nos falar do Grande Circo Místico, onde Margarete “tatuou o corpo sofrendo muito por amor de Deus, pois gravou em sua pele rósea a Via Sacra do Senhor dos Passos. E nenhum tigre a ofendeu jamais; e o leão Nero, que já havia comido dois ventríloquos, quando ela entrava nua pela jaula adentro, chorava como um recém-nascido. Seu esposo – o trapezista Ludwig nunca mais a pode amar...”
Em seguida, o vicentino Fernando Cabral comparou aquele capricho a uma autoflagelação, suplício consentido aos santos. Adonias, ironicamente, rebateu ser tal sofrimento rejeitado até por boi, quando queimado pelo ferrão com as marcas do dono. “Qual prazer seria suportar desenhos picotados na pele, sem se ter couro de bicho?” perguntou Porfírio. E se a tatuagem fosse obrigatória? Ele mesmo respondeu que os vaqueiros de Zé Mário, ao marcarem com ferrete as iniciais do fazendeiro no gado, lamentam a “judiação”. De repente, um professor do Dom Bosco, quase recitando versos de Disparada, reparou que gado a gente ferra, mas com gente é diferente. Comentou Nélson do Posto: “- Vá atrás que chora, quando toma injeção”.
A conversa rendia. Então, Lenildo aproveitou para dar-lhe caráter ideológico: são coisas do “mundo capitalista”. Enxuto retomou a palavra: “- A gringa, não satisfeita com as estampas, enfiou piercing por tudo quanto é parte. Além das orelhas, furou o nariz, as bochechas, o umbigo... o resto não se via. Mas, dava pra notar que estava todinha alfinetada...”; o assunto encheu a boca dos que bebericavam na Venda de Adonias. Também protestaram os moralmente contra tal novidade e, finalmente, sentenciou Major Raul: “- Essa cabrita deveria ter nascido com um chocalho espetado no couro, listada como zebra, pintada como onça ou malhada como bode. Esse mundo está virado!”