O Zé da Pipa e o Zeppelin
O grupo de meninos se reunia quase todos os dias para tomar banho na Cachoeira Grande do Amapá, mas que pertence ao território do município de Calçoene, no estado do Amapá. Era mais de meia hora de caminhada, mais valia a pena. Corria os anos quarenta e os meninos na flor da idade.
Zoiúdo, Potoca, Tecuspo, Mãonosaco e Zé da Pipa era o quinteto inseparável. Na quebradeira, as brincadeiras eram intermináveis: briga-de-galo, rabo-de-arraia e pira. A manhã passava rápida e só voltavam na base do estômago roncando. Para a caminhada ser mais rápida, quando não aparecia uma carona, o grupo apostava qual o estômago roncava mais alto. Zoiúdo era o campeão, seguido por Mãonosaco. E não era campeão à toa. Na cachoeira, entre uma brincadeira e outra, os moleques saiam pela mata em busca de alguma fruta. Vai que um dia encontraram uma goiabeira. ‘Vançaram’ na bicha. Tava carregada, mas não deu para quem quis. Zoiúdo, cujo nome era Paulo Barros da Silva, foi o que mais comeu. Não tinha goiaba, mesmo que bichada, que ele não traçasse. Aliás, para não comer as bichadas, e isso era estratégia dele, devorava as mais verdes. Foi nesse dia que ganhou o apelido e uma tremenda prisão de ventre. Travou tudo, meu amigo. Não saia nada. A partir daí não quis mais saber de frutos silvestres. E por isso mesmo se destacou na “roncação”.
Bem, mas todos ali eram campeões: Tecuspo era campeão de briga. E valia tudo, claro, até o apelido. Potoca era campeão de mentiras. Mitomaníaco. Mentia sem se sentir. Chegou a falar uma vez que estava atrás de seu curió que havia fugido.
- Porquê tu não colocastes ele na gaiola? - perguntou Tecuspo.
- Aí é que está - respondeu - ele fugiu com gaiola e tudo!
E o pior é que ele inventava suas estórias escalafobéticas e ainda exigia que o grupo confirmasse como se houvesse tomado parte da trama.
Outro que não perdia parada era o Zé da Pipa. As melhores pipas da região eram confeccionadas por ele. De bambu, tala de buriti ou de coco eram cuidadosamente buriladas para “armação” do brinquedo eólico. Era um verdadeiro artista. Sempre aparecia com as pipas mais lindas e nas formas mais inacreditáveis: águia, caixa, avião, morcego: tudo ele inventava.
Certo dia Zé da Pipa quis aumentar ainda mais o seu prestígio na área em que ganhara reconhecimento. Preparou uma pipa enorme, com varetas de bambu. A bicha era imensa. Não empinava muito alto, nem dava de cabeça também, mas voava o bastante para ser vista de qualquer lugar do vilarejo de Amapá.
- Esse Zé da Pipa é genial. Tem encomenda de pipa até de Macapá. – elogiou Mãonosaco, com a mão no cujo.
- Que nada, eu já fiz uma maior que essa! – implicou Potoca.
- Dúvido... - complicou Mãonosaco, tirando a mão do dito e colocando quase no nariz do pariceiro.
- Quem duvida perde a vida e come casca de ferida...
Tecuspo interviu:
- Então faz outra que eu te ajudo.
Fizeram. De tão grande, os quatro a carregavam pela cidade em direção ao morrinho onde a empinariam. Todos corriam à porta para vê-los. O orgulho inchou-lhes o peito. Quebrariam o recorde e o reinado de Zé da Pipa. Entretanto, qualquer ventinho já queria arrastar e içar o pequeno mutirão. O que provocava uma ponta de medo.
- Meu Deus, esse troço quer avoar...
- E foi feito pra isso... Eu avoei na que eu tinha feito.
Sem saber de nada, Zé da Pipa, estava na cachoeira. Corria a década de 40 e ali perto era uma base militar comandanda pelos norte americanos e naquele chegaria o primeiro Zeppelin aom Brasil. E lá vinha ele. O Zé ficou realmente assombrado com aquele troço enorme que cruzou o céu passando rente às árvores e indo em direção a Base Aérea. Era um Zeppelin "porrudo". Zé resolveu seguiu o bicho, entre apavorado e curioso com aquela figura que mais parecia um imenso charuto. Sua velocidade lenta facilitava o processo.
Quando chegou na Base, viu o troço "ancorado" ao chão e um bocado de homens em volta dele. Uns desciam e outros subiam. Que coisa, andava gente naquilo, pensou o Zé. Pé-ante-pé foi ver de perto, numa moita. Era imeeenso! A curiosidade era mais. Conseguiu ler em sua lateral: Graf Zeppelin. Perto da moita havia uma corda que ia de lá até a cauda do balão. Foi mexer exatamente quando o dirigível soltou as amarras e começou a ganhar o céu. Prendeu o braço em um dos nós da atracação. Droga! E o balão subindo. Os homens atarefados nem o viram, pois logo o charutão sumiu por entre as árvores em direção ao vilarejo de Amapá, com o Zé desesperado e clandestino. Eram uns vinte metros entre ele e o balão.
Na cidade, o pipaço dos meninos neca de subir. Dava solavancos ao vento, mas subir mesmo, nada. De repente, eis que surge detrás da mata o Zé “empinando” aquela “puta” pipa. Quando o grupo viu, a cidade inteira já vinha acompanhando. E o Zé, lá. Gritando que só um doido.
- Num te falei... – argumentou Mãonosaco - O Zé é o Zé!
Tanta agitação já despertara a atenção dos tripulantes do Zeppelin. Um homem já cuidava de cortar a corda onde estava o pobre do Zé. Esperou o a aeronave passar por cima de um pequeno lago cheio de capim e destravou o passageiro. Ôvaiate-se e chuáááá!
Lá vem o Zé todo machucado e choroso, lanhado pelo espinho arranha-gato. Não entendeu nada quando o grupo o carregou no ombro, gritando com euforia:
- É o Zé! É o Zé! É o Zé!
Enquanto a cidade seguia o balão.