Farra na Igreja

Pirassunungo amanheceu com a garganta seca. Também pudera, estava sem provar um gole desde a noite anterior quando se despediu de Pudim de Cana, seu parceiro de noitada e de tombos. O problema era o prego, quero dizer, tava mais sujo de que pau de galinheiro. Já não sabia de quem pedir fiado, pois já tinha até foto sua em todos os botecos do bairro.

Mas, o caso era sério. Tinha que chupar nem que fosse uma rolha, para passar aquela agonia. Deu uma rodada pela barraca para ver se achava algum pé-de-garrafa, ou seja, algum restinho de bebida. Lembrou-se que tinha “raspado” a última garrafa de Guelo e, sem querer, ainda comera uma barata viciada que tinha se suicidado dentro da “granada” etílica.

- Ai, meu são João da Barra, dai-me uma boa idéia!...

Era domingo. Lembrou da igreja. Não exatamente da missa, mas do vinho do padre.

- Brigado, meu São Raphael, que idéia maravilhosa...

E se mandou para o lado da igreja. Já havia acontecido a missa matutina e só haveria outra à noite. Tinha tempo suficiente para degustar aquelas maravilhas armazenadas pelo padre Carlo. Claro que ele deveria ter as melhores safras.

Chegou a igreja. Hesitou por alguns instantes. Mas, o diabinho que habitava sua carcaça o induzia ao sacrilégio.

"Entra. Bebe. Por que uma bebida tão deliciosa tem de ser aproveitada apenas por um homem? Por que o padre serve apenas o biscoito, na comunhão. Deveria servir também o vinho."

É, parecia que o diabinho tinha razão. Rondou o prédio e encontrou uma porta aberta. Era o sinal divino... De vinho... Bem, era um bom sinal. Entrou se esgueirando. Ninguém.

- Tá do jeito que o diabo gosta - olhou o altar - Perdão, Jesus!

"Vai, Esbalde-se, homem."

Tropeçou. Quase mete a cara em um castiçal.

- Tô indo, não precisa empurrar!

Viu uma sala ao lado direito do altar. Entrou. Estava devassando uma coisa que desde criança tinha curiosidade de conhecer: O que havia por detrás do altar? Não se surpreendeu muito. Algumas batinas; estolas; um ostensório, precisando de polimento – e outras poucas coisas.

- Tá aqui! É disso que estou falando: Vinho.

"Abre logo! Abre logo!"

- Não te afoba... Onde será que está o saca-rolha?... Bem, Isso não será problema.

Pegou uma batina, fez uma rodilha, colocou no fundo do garrafão e o bateu na parede. Aos poucos a rolha foi cedendo e abriu.

- Agora é só alegria!

"Viva!"

E tome-lhe vinho, e tome-lhe vinho! Achou também uma porrada de hóstia. Quer tira-gosto melhor?

"Esse vinho é uma delícia."

- Não te mete. Que isso não é pro teu bico! - Entrou em conflito com o próprio diabinho.

Já estava no segundo garrafão. Não conseguira tirar a rolha com perícia. O fundo estourou derramando o liquido precioso. Rápido, pegou a estola e enxugou o que pôde, espremeu no ostensório e bebeu.

-Tá vendo o que você tá me deixando fazer, diabo? Presta atenção no que eu faço!

"Não me mete nessa tua cachaça!"

- Ah, se o Pudim de Cana tivesse aqui...

"Vai lá pegar o cara!"

- Tá ficando doido?... Só tem mais um garrafão... Além do mais, quero ver a cara de inveja que ele vai fazer, quando eu contar.

Bom, o segundo garrafão não durou muito, conseguiu aproveitar apenas um litro.

Partiu para o terceiro. Empurrou a rolha.

Nestas alturas, já tinha vestido uma batina e amarrado a estola na cabeça. A solidão o tinha provocado a fazer as pazes com seu diabinho.

- Xabe, o Pudim de Cana? O cara se dizz “pegador”... O engraxado e que quando ele ta “pegando” por aí, tão pegando a mulher dele... Eu xei de tudo!... O cara é corno, xacou?

E morria de rir, aproveitando o eco produzido na nave da igreja.

E tome-lhe vinho, e tome-lhe vinho! Já por demais saciado, resolveu deitar por alguns instantes.

- Ei, meu irmão, levanta!

- Quem é voxê? - encarou o brutamonte, forçando os olhos a abrirem - Onde estou, no xéu?

- Sexta DP. Seja bem vindo, lhe encontraram boiando no vinho do padre, dizendo que iria rezar a missa das sete.

- Eu fiz isso?

- Muito mais; tava cantando brega e dançando, só de cueca, com a estátua de Jesus crucificado.

-Quem? Eu?

- E sabe quem ta doido pra falar contigo?... Um tal de Pudim de Cana, que soube que tu espalhou que ele é corno.

- Ai, meu Deus, xó tomando uma!!

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V I S I T E

Este texto está roteirizado, pronto para filmagem.