Luís Alexander

Luís Alexander. Era esse o nome dele, assim mesmo, na frente a brasilidade de resquício português como abre-alas; atrás, a nobreza dos tempos romanos que no velho mundo carregava o sangue azul. Mas ele não tinha sangue azul, dizia que azul era o sangue de barata, aquele bichinho cascudo que ninguém gostava de abraçar. Ele tinha mesmo era um coração de elefante, tão grande que logo logo o pobre peito não iria suportar.

Sentávamos na mesma fileira – a primeira, na aula de inglês. Eu como sempre desinibido, exibido, queria mostrar que a lição estava na ponta da língua, sempre doido pra ouvir “muito bem, Ricardinho!”. Ele estava ali por simples obra do acaso, porque todos os dias chegava atrasado e o único lugar que sobrava era na fila do gargarejo. Mas ele entrava mudo e saía calado, sempre com os olhos baixos transparecendo a timidez que a pobreza lhe fazia ter. “Tenho vergonha porque sou pobre”, me disse certa vez. E eu ri, não por maldade ou por deboche, mas porque vi seu sorriso tímido e sem dentes. Eu, com 8 anos, estava nas últimas trocas de dentes e me sentia um quase adolescente.

O curso de inglês era particular, mas Luís tinha conseguido uma bolsa de estudos que a professora do colégio em que estudava lhe arranjou. Era um dos melhores alunos e, segundo ela mesma falava, um dos mais arruaceiros também. Vai ver que quando chegava a tarde ele já estava cansado de tanto bagunçar, e por isso ficava tão quietinho na carteira ao meu lado. Numa tarde, depois da aula, fomos juntos no campinho da escola em que ele estudava jogar futebol. Mas não tinha bola e resolvemos subir e descer as arquibancadas de madeiras quebradas brincando de pega-pega. Eu caí e quebrei o braço. Me sentia o superhomem todo engessado, cheio de escritos de caneta nanquim e com uma longa história sempre pronta a ser dita como explicação. Mas aí não podia escrever, então ele escrevia duas vezes tudo o que a professora falava: uma no caderno dele, uma no meu. E me ajudava em tudo, embora um só braço não debilitasse tanto assim.

No final do ano pegamos as notas finais. Passamos! Comemoramos, tomamos um sorvete e ficamos a tarde toda catando formiga no campo. Chegaram as férias, eu viajei com meus pais para São Paulo e só voltei quando as aulas já tinham começado. Cheguei sedento pra encontrá-lo, cheio de novidades da capital, com um patinete novo que ganhara no natal e o braço todo recuperado! Mas Luís não estava lá, nem no primeiro, nem no segundo e nem no terceiro dia de aula. Fui à sua casa, errando o caminho várias vezes antes de finalmente encontrar. “Luís morreu, meu filho”. Era o coração, que queria abraçar o mundo inteiro, mas ficou grande demais.