O Pensador Que Rezava Errado
Eu estava em frente à igreja, olhando a cruz lá no alto, no topo da construção. Distraída só percebi a aproximação do homem quando ele já falava comigo.
- A cruz lá em cima parece tão pequenininha...eu também gosto de parar aqui antes de entrar na igreja e ficar olhando.
Olhei para o homem e sem saber o que dizer apenas sorri. Tinha uma aparência humilde, vestido com roupas simples, aparentando os muitos anos de uso. Observei os cabelos já com vários fios brancos e o rosto com rugas precoces e concluí que embora fosse um estranho não parecia oferecer perigo.
- Desculpe chegar falando assim, mas quando vi a senhora olhando lá pra cima, achei que estava como eu: pensando.
- Não tem problema – respondi sem querer parecer grosseira, mas também, sem vontade de falar.
Ele começou a falar sobre sua vida de maneira tranqüila e foi prendendo minha atenção e aos poucos fui deixando de pensar nos problemas que me absorviam antes da chegada dele.
Falava de si próprio comigo como se fosse a coisa mais natural do mundo:
- Homem simples e de pouco estudo, isso ele era mesmo. Mas pensar ele pensava, e muito! Tinha aprendido muita coisa nessa vida.
Ele e a mulher eram muito religiosos, embora ela fosse mais à igreja, pois ele, muitas vezes, trabalhava aos domingos também.
Freqüentou a escola poucos anos porque desde menino precisava trabalhar para ajudar no sustento da casa. Não tinha diploma, mas não era burro e tinha muito orgulho disso.
Ele trabalhava como pedreiro e a mulher como doméstica e o que ganhavam ia tudo no sustento dos filhos; nunca sobrava e era nisso que estava pensando ultimamente.
Na noite anterior quando começou a rezar, desconfiou que estivesse rezando errado. Pedia a Deus que lhe desse forças para suportar as pauladas da vida; que não faltasse comida para sua família; saúde para poder trabalhar e que nunca lhe faltasse trabalho, tão grande era seu medo do desemprego.
E foi pensando que chegou à conclusão que Deus sempre atendia seus pedidos, pois suportou e enfrentou problemas com o filho mais velho, com o mais novo, com patrão e por aí vai; comida deu sempre na conta, mas sem luxo; saúde sempre teve afinal, uma gripezinha de vez em quando não conta e trabalho nunca faltou. Resultado: Deus dava o que ele pedia e ele estava pedindo errado!
Por isso, naquele dia resolveu ir até a igreja rezar e pedir do jeito certo: não ia pedir forças, mas sim menos problemas; que comida tivesse em abundância; que com boa saúde tivesse oportunidade de gozar a vida e que tivesse trabalho, mas que o pagamento fosse justo.
E assim, despediu-se e foi caminhando pela praça enquanto eu, então, pensava sobre as minhas orações.