O SUMIÇO DO COVEIRO DIÓ
Comentários maldosos, fofocas sempre acontecem em todas as comunidades, principalmente em conjuntos residenciais tanto de pessoas abastadas quanto de pobres e humildes. Qualquer picuinha logo se transforma numa bola de neve e quando menos se espera, ninguém controla mais esse tipo de comentário. Espalha-se, rapidamente, como um rastilho de pólvora. É realmente impressionante como uma comunicação deturpada e sem muito fundamento pode, algumas vezes, causar transtornos familiares irrversíveis e lamentáveis.
Foi então o que ocorreu, certa vez, no condomínio vizinho ao local onde trabalho, aqui na Zona Leste de São Paulo. Só posso garantir que é um conjunto residencial da COHAB. Um morador, por sinal, bastante conhecido de de todos daqui da adjacência, por causa do seu sumiço por quatro dias, foi dado como morto. Ora, mesmo sabendo que aquele rapaz gostava sempre de participar de uma gandaia, uma farra com alguns colegas, a sua família, após 48 horas sem nenhuma notícia dele, resolveu então procurá-lo em alguma delegacia, onde já fez logo um BO, em seguida o périplo se seguiu rumo a Hospitais, Pronto Socorro e até IML (Instituto Médico Legal). E foi justamente aqui que tomaram conhecimento que entre vários indigentes sepultados naquele dia, havia um que preenchia todas as características físicas daquele parente desaparecido. E sendo assim, alguns familiares já começaram a lamentar a morte daquele membro, por sinal, muito benquisto no nosso bairro.
Alguns mais exagerados, lembrando aqueles velhos tempos, vestiram-se de preto, como prova de luto. E enquanto isso, até os pertences daquele parente que tinha sido dado como falecido, foram sendo doados ou jogados fora. Inclusive até a sua cama, por sinal, incomum, pois o “falecido” era dotado de um físico bem avantajado e para suportá-lo tinha que ser algo bem adequado ao seu corpanzil. Concomitantemente, os colegas do time que o Dió jogava, no qual era goleiro (e que goleiro!) lamentavam também profudamente e logo já procuravam um substituto à altura do finado. Até o jornaleiro do bairro, lamentou, mas foi uma pequena dívida que ele deixara na sua Banca. Apesar de não ser lá muito grande, mesmo assim ele a perdoou. E não perdoa pra ver o que acontece. Com pessoas que morrem nunca se deve brincar e muito menos tirar sarro. Todo o cuidado é pouco. O falecido preciso é de reza!
Quando tudo parecia voltar ao normal, ou seja, após o quarto dia de tal funesto acontecimento, eis o que acontece! Bem cedo, como sempre faz, o jornaleiro foi abrir a sua Banca. E levou um susto daqueles! Não, o seu comércio não fora arrombado! Estava tudo em ordem. O que ele não esperava era a presença repentina daquele rapaz que tinha sido dado como morto, o qual como se quisesse provar que não se tratava de nenhuma assombração foi logo dizendo:
-Bom dia, seu Valdo! Olha, aquela minha dívida logo logo eu vou acertar com o senhor! Não esquenta a cabeça não, certo?
-Tudo bem, Dió. – Respondeu o jornaleiro, sem acreditar no que estava vendo naquela manhã fria e com aquele súbito aparecimento, deixou mais gelado do que nunca, literalmente!...
E como este era tido como um porta-voz do bairro, a partir daquele momento, à proporção que os fregueses iam aparecendo ele já ia dando a notícia quentinha: “ O Dió não morreu!”. “Eu conversei com ele hoje de manhã!”. Os mais incrédulos davam risadas e achavam que o jornaleiro estava brincando. Mas por falar em susto, o do seu Valdo não foi lá essas coisas, comparando com o dos familiares daquele rapaz quando ele tocou a campainha 6 horas daquela mesma manhã...E outro susto ele, o morto-vivo também deve ter levado, quando adentrou no apartamento e percebeu que quarto que era seu já estava ocupado por outras pessoas e nem a sua cama gigantesca e roupas estavam mais ali... E como ele é um tipo bonachão e zombeteiro, ao perceber ali ele não tinha mais nada, foi logo dizendo:
-“Sendo assim eu vou voltar para cemitério...Afinal, é lá que eu tiro o meu sustento!”. Ou tirava!!!! Parece que eu não tenho mais nada a fazer aqui!”
Sim, esqueci de registrar, o Dionísio, vulgo Dió, era um coveiro, um profissional do cemitério muito responsável, apesar de seus sumiços!!!
João Bosco de Andrade Araújo
Joboscan50@yahoo.com.br