SUPERAÇÂO.
 
         Eu era muito criança ainda,mas lembro perfeitamente de Verdiano e seu filho Jeremias, o qual devia ter uns cinco anos à época deste acontecimento.Verdiano foi abandonado pela esposa, mas ficou com o menino.Desarvorado com a separação, entregou-se ao vício da bebida e passou a viver da caridade alheia, comendo do que lhe davam as almas caridosas. Certo dia, quando meu pai saiu para fazer cobranças das coisas que vendia no seu armazém de secos e molhados, decidi ir com ele.Naquele tempo não havia estradas, mas “caminhos” ou trilhas por onde andavam pessoas e animais. Meu  pai e eu íamos à cavalo. A certa altura, ao passarmos perto de uma frondosa árvore, lá estava o Verdiano dormindo sob o efeito da bebida. Ao seu lado, sentadinho e quieto, mas com uma tristeza imensa, estava Jeremias. Meu pai chamou Verdiano, mas este não acordou.Percebendo que o menino estava com fome e que ainda ficaria ali muito tempo, meu pai dividiu o farnel que levávamos para o nosso almoço.Fomos embora. O tempo passou.Um belo dia, na nossa pequena vila de Irituia, estavam eu e meu pai no trapiche onde aportavam os navios gaiolas e as canoas que faziam transporte de gente e mercadorias .De repente, quem eu vejo? Verdiano! Vestido com uma calça verde oliva e uma camisa verde claro, sapatos bem polidos e um relógio de corrente pendurado na cintura, dava ordens para alguns carregadores colocarem ou descarregarem mercadorias dos navios ou das canoas.Parecia um lord aos meus olhos! Nem de longe lembrava aquele homem caído e embriagado embaixo da árvore. Como Verdiano superou a adversidade, num tempo em que não se sabia que alcoolismo é doença, que não havia alcoólicos anônimos ou qualquer tipo de tratamento, eu não sei.Só que sei que até hoje não esqueci das duas cenas presenciadas por mim.Uma de decadência e outra de superação.De algum modo, estas cenas sempre me vêm a mente quando sinto alguma dificuldade na vida.Verdiano compõe a galeria dos meus tipos inesquecíveis.