ENGENHO VACA BRABA

O chegar ao engenho já começa antes de começar. No preparo, uma multidão de sensações se misturavam. O desejo de antever o acontecer fazia a espera quase impossível de ser esperada.

O caminho era sempre ondulado, num subir e descer contínuo fazendo da ida uma sequencia de descobertas. Ora um riacho, ora um mocó que atravessava a frente...mas, a estrada se alongava além da estrada. Estrada que intencionalmente cortava os canaviais verdes, contínuos, cansativos. Á chegada da noite fatalmente um espetáculo acontecia. Imperdível, inexplicável...algo de dantesco com raias de celestial. A queima da cana. As labaredas se agitavam com o vento que soprava da serra em frente, e, jogavam pedaços de cana e palha queimada. O cheiro era inebriante. Tudo assustava e atraia ao mesmo tempo. O medo cedia lugar ao prazer de assistir tamanho acontecimento. Era decididamente o melhor cheiro do mundo. Era a aparição de inferno com ares celestiais. Eu me maravilhava, extasiava, torcia para o tempo estancar, mas tudo acabava e meu coração voltava a bater normal.

Me recolhia ainda com cheiro e calor de cana queimada, cheiro que me persegue até hoje.Mas, o dia clareava, e, lá ia eu novamente em busca de novas emoções: o engenho.Tachos de um brilho de ouro guardavam um tesouro. Era o mel. Mel de lamber, de lambuzar, de deixar escorrer pela boca, se sentir melada. Não sei como descrever, mas era uma junção de sentidos enovelados e me deixando, completa. Eu, o mel, o cheiro, a cana, éramos um só. Em pouco tempo, o mel endurecia, encorpava. Era chegada a hora. Enormes colheres jogavam o mel fervente, qual larva, em formas de madeira angelim, e, eram alisadas ternamente até tomarem forma de rapaduras. Meu Deus, era um manjar dos deuses.

Por mais absurdo que pareça, o melhor estava por vir. Duas canas raspadas eram introduzidas nos tachos ferventes, e, retiradas, eram agitadas e cruzavam uma com a outra, como espadas. Em pouco tempo, um milagre acontecia. O mel cristalizava dando lugar ao alfenim. Um doce alvo, alvo, doce, doce. Éra o àpice do espetáculo.

Depois, restava apenas deitar com todos os sentidos saciados. Um pouco de alfenim ainda restava na boca, como para adocicar meus sonhos.