RAIVA
Raiva? O que é raiva? Indignação? Que é esse sentimento que nos perturba tanto que nos tira do normal, do autocontrole? E que nos leva à tristeza? À revolta?
Estou lendo um livro escrito por um americano Benjamin Moser. Um jovem que, à falta do que fazer, “descobriu um ovo de Colombo”, em usar Clarice Lispector para se projetar nas terras de língua inglesa e tirar daí um fabuloso lucro. Do mesmo modo que Paulo Coelho, que se projetou mundialmente em livro de auto-ajuda, apoiado na marca de Raul Seixas. Deste, comprei um só livro de bela capa e não consegui terminar, pura babaquice, mais caminho de Campostela e outras milongas mais; campeão de vendas no mundo todo, envergonhando a nós brasileiros que temos escritores admiráveis. Aproveitando que nossa língua não é falada no mundo, que é “uma língua morta”, como dizia Raquel de Queiroz.
Coisa parecida em termos de absurdo e cinismo está acontecendo com o futebol brasileiro, em que o “craque” é tomado como mercadoria perecível; e o Futebol-Esporte virou “Futebol-Investimento-Negócio”: na terra do futebol-melhor-do-mundo!
Estou detestando, pois não tem nada da Clarice Lispector. Tudo que houve dela, ela mesma fez questão de contar e escrever até as últimas conseqüências de seu talento e sanidade.
Sempre que a li, cismei por que ela pediu para suas irmãs, que nunca deixassem serem vistos os quadros pintados por ela, secretos, os quais ela considerava horríveis, mas que eram importantíssimos para soltar a obra literária que faria a seguir; eram como uma arte inspiradora do que precisava falar, como um gestual orgânico para se soltar e também para se disciplinar; era um pré-livro feito plasticamente. E suas irmãs prometeram manter tal sigilo, eternamente. Deviam ter destruído, após sua morte. Espero que o tenham feito. Caçula entre as irmãs, Clarice morreu muito antes das irmãs. Clarice era muito secreta e ao mesmo tempo, explícita. Tudo que ela quis que soubessem dela ela o fez em vida. Sempre fiquei curiosa como ela não deixou passar informações do seu casamento e da sua separação e, em cartas, exigia das irmãs total segredo. Pois ela queria assim. Então tem que ser respeitado. E respeito. A palavra de um escritor é sagrada. Intocável.
Está me causando tal indignação que já tive de correr ao banheiro por duas vezes, com um distúrbio intestinal que mal deu tempo de lá chegar, tal a indignação sentida com a leitura.
Um livro grosso, pesado de segurar, desconfortável de sustentar e de ser lido. Engraçado, tudo que é injusto, que é feito de modo ignóbil faz a gente sentir raiva. Raiva é coisa que se sente, talvez por que a gente não pode fazer nada. Rarissimamente sinto raiva. Lembro de apenas duas passagens em que fui tomada de raiva.
Uma, quando minha irmã me traiu e roubo-me a metade da herança da minha mãe por um golpe torpe e legal. Quase tive um enfarte.
E outra, foi na Alemanha, visitando uma amiga da minha filha e comemorando seu aniversário no campo, onde ela tinha dois lindos cavalos de estimação. A festa estava ótima, gente boa e alegre, boa cerveja... Eu admirava a redondeza plana a perder de vista. Do outro lado da encruzilhada de estradas perpendiculares, eu assistia uma máquina imensa, como se fora uma jamanta manipulada por apenas dois homens. Alguém me explicou tratar-se de uma máquina de plantar e colher batatas. Só ela dava conta de muitos hectares de plantação; desde o preparo da terra, da plantação, colheita, da limpeza e do ensacamento das batatas. Apenas dois homens. E eu me lembrei do Brasil continental, cheio de populações pobres, analfabetos, sem recursos, sem tratos, sem cultura, sem organização, sem escola, sem governos bons, sem nada. Gritei minha filha que me acudisse, pois tive uma reação de raiva orgânica, meus intestinos pediam socorro imediato, e estávamos no campo, só mato e sem banheiro e descampado. Ela correu comigo pra dentro desse raso mato, o mais longe que suportei chegar e, em algum ponto dei solução a uma situação difícil.
Vou tentar acabar de ler, talvez até aprecie, ao final do livro. Mas desconfio que tenha o mesmo destino do inacabado Paulo Coelho
Raiva? O que é raiva? Indignação? Que é esse sentimento que nos perturba tanto que nos tira do normal, do autocontrole? E que nos leva à tristeza? À revolta?
Estou lendo um livro escrito por um americano Benjamin Moser. Um jovem que, à falta do que fazer, “descobriu um ovo de Colombo”, em usar Clarice Lispector para se projetar nas terras de língua inglesa e tirar daí um fabuloso lucro. Do mesmo modo que Paulo Coelho, que se projetou mundialmente em livro de auto-ajuda, apoiado na marca de Raul Seixas. Deste, comprei um só livro de bela capa e não consegui terminar, pura babaquice, mais caminho de Campostela e outras milongas mais; campeão de vendas no mundo todo, envergonhando a nós brasileiros que temos escritores admiráveis. Aproveitando que nossa língua não é falada no mundo, que é “uma língua morta”, como dizia Raquel de Queiroz.
Coisa parecida em termos de absurdo e cinismo está acontecendo com o futebol brasileiro, em que o “craque” é tomado como mercadoria perecível; e o Futebol-Esporte virou “Futebol-Investimento-Negócio”: na terra do futebol-melhor-do-mundo!
Estou detestando, pois não tem nada da Clarice Lispector. Tudo que houve dela, ela mesma fez questão de contar e escrever até as últimas conseqüências de seu talento e sanidade.
Sempre que a li, cismei por que ela pediu para suas irmãs, que nunca deixassem serem vistos os quadros pintados por ela, secretos, os quais ela considerava horríveis, mas que eram importantíssimos para soltar a obra literária que faria a seguir; eram como uma arte inspiradora do que precisava falar, como um gestual orgânico para se soltar e também para se disciplinar; era um pré-livro feito plasticamente. E suas irmãs prometeram manter tal sigilo, eternamente. Deviam ter destruído, após sua morte. Espero que o tenham feito. Caçula entre as irmãs, Clarice morreu muito antes das irmãs. Clarice era muito secreta e ao mesmo tempo, explícita. Tudo que ela quis que soubessem dela ela o fez em vida. Sempre fiquei curiosa como ela não deixou passar informações do seu casamento e da sua separação e, em cartas, exigia das irmãs total segredo. Pois ela queria assim. Então tem que ser respeitado. E respeito. A palavra de um escritor é sagrada. Intocável.
Está me causando tal indignação que já tive de correr ao banheiro por duas vezes, com um distúrbio intestinal que mal deu tempo de lá chegar, tal a indignação sentida com a leitura.
Um livro grosso, pesado de segurar, desconfortável de sustentar e de ser lido. Engraçado, tudo que é injusto, que é feito de modo ignóbil faz a gente sentir raiva. Raiva é coisa que se sente, talvez por que a gente não pode fazer nada. Rarissimamente sinto raiva. Lembro de apenas duas passagens em que fui tomada de raiva.
Uma, quando minha irmã me traiu e roubo-me a metade da herança da minha mãe por um golpe torpe e legal. Quase tive um enfarte.
E outra, foi na Alemanha, visitando uma amiga da minha filha e comemorando seu aniversário no campo, onde ela tinha dois lindos cavalos de estimação. A festa estava ótima, gente boa e alegre, boa cerveja... Eu admirava a redondeza plana a perder de vista. Do outro lado da encruzilhada de estradas perpendiculares, eu assistia uma máquina imensa, como se fora uma jamanta manipulada por apenas dois homens. Alguém me explicou tratar-se de uma máquina de plantar e colher batatas. Só ela dava conta de muitos hectares de plantação; desde o preparo da terra, da plantação, colheita, da limpeza e do ensacamento das batatas. Apenas dois homens. E eu me lembrei do Brasil continental, cheio de populações pobres, analfabetos, sem recursos, sem tratos, sem cultura, sem organização, sem escola, sem governos bons, sem nada. Gritei minha filha que me acudisse, pois tive uma reação de raiva orgânica, meus intestinos pediam socorro imediato, e estávamos no campo, só mato e sem banheiro e descampado. Ela correu comigo pra dentro desse raso mato, o mais longe que suportei chegar e, em algum ponto dei solução a uma situação difícil.
Vou tentar acabar de ler, talvez até aprecie, ao final do livro. Mas desconfio que tenha o mesmo destino do inacabado Paulo Coelho