SONHO ACALENTADO
SONHO ACALENTADO
Neste sonho acalentado, meio esquisito e abobalhado, pensei muitas coisas sem nexo, porém verdadeiras. O dia estava claro, um sol forte a me aturdir, parecendo fervilhar meu sangue, causando certo desânimo e uma corrente de incertezas. Saía de minha cidade sem destino especificado, com idéias saltitantes e inebriantes, que me levavam a tontura e a destinações sem fins especificados. Que lema, angústia e pensamentos triviais eram demais para uma pessoa com eu. Incerta, descrente, mas com vontade pungente que transforma a performance da gente. Parar, pensar e calcular era o que restava a ser vencido por um pequeno indefeso, indeciso e pusilânime. Às vezes com idéias feéricas conseguia superação para realizar aquilo que tracei, o sonho acalentado. Ah! Como sofre uma criança que se vê sem esperanças e destino, mas com denodo e dedicação vencerei os percalços, as pedras de tropeço, pois não mereço essa vidinha que planejaram para mim.
Quiçá, consiga. Deixei para trás minha casinha, a família querida, passei a encarar barro e poeira das estradas vicinais. Percorri quilômetros, léguas, feito um animal aturdido pela invasão de intrusos ao seu habitat natural. Meu Deus dá-me forças até chegar à cidade. Cansado, suado e maltrapilho cruzei com uma senhora que indagou meu destino! Vou à casa de parentes. E, seus pais garotos, perguntou-me? Não os tenho, fui criado por meus avós. Vou a cidade grande onde pretendo estudar e trabalhar, visto que tenho dois velhinhos que precisam de ajuda para sobreviver. Não quero que depois me chamem de ingênuo, prefiro dar culto aos instintos; e logo me desculpar pelas obras redentoras não realizadas, sob a cômoda argumentação de que sofremos impedimentos alheios à nossa vontade. Que garoto audaz argumentou aquela senhora. Disse-me: vou te ajudar garoto maravilhoso, exigir compreensão alheia e sintonização superior em nós já é caminho vencido na luta pela vida e na esperança perdida que o tempo deixou para trás. Pensei comigo mesmo e baixinho falei: “Senhor Jesus, muito necessitamos do Teu Amor e da Tua compreensão é nos deparando com o nosso próprio ego, que vamos compreendendo nossas tarefas auto-educativas, auto expungitivas”.
Enfim, chegamos. O que fazer pensei. De repente a caridosa senhora acalentou-me: vais morar conosco, te daremos café, almoço e guarida, o colégio não será problema, no entanto, terás que nos ajudar na vendinha que temos. Sorri! Posso te chamar de tia, sim, respondeu a delicada senhora. Isso é o mínimo que posso fazer, já me sinto feliz, só que não posso esquecer os dois queridos velhinhos que atrás deixei. Mandarei supri-los, exclamou à senhora. De andanças e alternâncias fui buscar minha felicidade e por ironia ou sorte, mas com ajuda de Deus que me proporcionou. Um anjo da guarda que jamais esquecerei. Penso e repenso: como pode existir nesse mundo descrente e ateu. Tenho que ajudar os meninos de rua que sofrem, como sofri, a negligência das autoridades de meu Estado e País. Coloquei, pari e passo, e em ordem as idéias para cumprir, meu sonho acalentado. Já ciente das nuanças da vida cheguei à conclusão que o menor vai se tornando preocupação explícita não só de grupos conscientizados, mas de inteira sociedade. São muitos os menores abandonados, infratores e carentes. Todos são gentes, precisam e necessitam da atenção e do esforço educador da sociedade brasileira. Não basta reeducar o menor, todos, a inteira sociedade, tem que nos reeducar. É complexo? É. Mas com anuência e boa vontade tudo se encaixa. “O menor infrator é, de certo modo, profeta de sociedade mais justa, fraterna e solidária. Aliás, não são todos que irão se deparar com anjo, como me deparei. Não se trata de ter pena do menor desamparado. É preciso compreender seu drama e captar a mensagem de sua vida”. Aí estão pelas ruas, sem lenço, sem documentos, sem família, sem preparação para a vida, expostos à doença e desnutrição, as drogas, a exploração sexual e ao crime. Ajudo no que posso, um dia serei uma autoridade lá de cima para educar como fui educado, esses menores vítimas do acaso ou da irresponsabilidade, pois é esse o meu sonho acalentado. Chegarei lá com a força de Deus e empreenderei todos meus esforços, não quero ser mais um a somar, e sim realizar multiplicando aquilo que ficou esquecido no fundo das gavetas, os projetos sociais, que fazem parte do meu sonho acalentado. “O menor que comete um ato anti-social está indicando o desajuste da sociedade egoísta, exploradora e dividida, na qual não consegue e não deseja se inserir. A solução para o menor abandonado ou menino de rua inclui, assim, reformas profundas e corajosas em toda estrutura social”. Aonde, irei descobrir e buscar citadas estruturas? Com os políticos, é claro, pois é esse um planejamento de meu sonho acalentado.
Serei um trabalhador de última hora, que dificilmente encontramos por aí afora. Já que não pagamos dízimos, reservarei dez por cento do que ganho para obras assistenciais. Não é de mais, é o menos que posso fazer agora com fé que pode até estar, mas não como condição obrigatória, pois em essência, a fé precisa, como faculdade da alma, ser desenvolvida pelo esforço pessoal; vale ressaltar: “Ela não cresce de forma milagrosa! É uma conquista de cada um, a ser realizada no longo caminho educativo e evolutivo, empregando, para esse objetivo, experiência e reflexão. Seremos sempre operários na sua construção”, já que esse é meu sonho acalentado. Senhor, Senhor alivia-me e dá-me força para cumprir minha missão, fui um garoto carente, me tornei um homem descente, graças ao anjo que mandaste ao meu encontro. Meus avós se foram por velhice e sem sofrimentos, agora quero oferecer o reconforto à pessoa que carinhosamente me adotou como tia. Na sua velhice quero ampará-la de coração, não esquecendo as crianças iludidas, vencidas, franzinas e maltrapilhas que conheci e aprendi a conviver com elas, não são aquarelas multicoloridas, e sim feridas que magoam os corações dos sensatos e alegram os insensatos que com ações fugidias não perdem a mania da locupletação. “Parece até aquela velha música de um grande cantor nordestino, quando na contagem da renda da festa, diz o que prometeu: dividi-la. Um pra mim, um pra tu, um pra eu, e saiu levando vantagem na distribuição do que colheu no final do arrasta-pé”. E, o outro sem desconfiar ficou a amargar o que seria apenas uma ilusão. Não quero colocar nessa parte amarga o meu sonho acalentado.Jamais!
E de ponto e contra-ponto vou usando as normas disciplinadoras que conduzem a troca da exigência pela intransigência, quando não afiras a informação que te chega pela boca preconceituosa de outrem e, com base nela, acredites, julgues e condene, se for o caso. Que essa psicosfera não seja um paradoxo, nem paradigmas, mas sim o inicio de uma nova vida, bela e acolhedora e sem sofrimento e angustia, já que no meu sonho acalentado reservei um bocado de amor e alegrias, para compartilhar com os carentes, estropiados e renegados todos os dias, até que surja uma esperança alentadora, mas não tardia, pois não desejaria jamais, deixar esvair-se em espumas deslizantes e em águas que correm sem destino, transformando meu sonho acalentado, apenas num desatino.
ANTONIO PAIVA RODRIGUES-ESTUDANTE DE JORNALISMO DA FACULDADE INTEGRADA DA GRANDE FORTALEZA (FGF). MEMBRO DA ACI E ACADÊMICO DA ALOMERCE
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