O RETRATO DA MINHA MÃE
Não sei se isso acontece com outros pintores, mas quando eu termino uma obra, fico com a sensação que poderia fazê-la melhor, que poderia ter feito mais... Sempre considero a minha pintura inacabada, imperfeita. Agora, graças a Deus, isso não se deu com a pintura do retrato da minha mãe que realizei em 2002. Pelo contrário: fiquei muito satisfeito com o resultado. Mesmo tendo sido bastante exigente com o acabamento. Raras vezes isso aconteceu. Estou convencido de que fiz o melhor que poderia. E olha que foi executado numa circunstância complicada, adversa: dois meses apenas após sua morte. Morte que me abalou profundamente, porque ocorreu de repente - foi um infarto fulminante. E a minha mãe era tudo que eu tinha. E cabe aqui explicar que eu morava sozinho com ela, portanto, além de mãe, era ela companheira também. E mãe, sabemos todos, é a melhor companheira, amiga. Passei vários meses inconsolável. Aliás, até hoje.
O seu falecimento aconteceu na passagem do ano 2001 para 2002. Data que ficou muito marcada em meu coração e para sempre.
Meu sofrimento foi enorme, vocês devem imaginar. Nada me consolava. Entretanto, foi aí quando sessenta e poucos dias depois do seu desaparecimento, resolvi fazer o retrato dela. Sou artista plástico, para os que não me conhecem, e costumava pintar, de vez em quando, entre outros temas, figuras humanas e retratos. No entanto nunca pintei o retrato de minha mãe. Agora o meu coração exigia que o fizesse. Só que eu não vinha pintando nada até então porque naquele meu estado achava que não conseguiria fazer algo com qualidade, principalmente retratos. E de qualidade a arte da pintura requer. Poderia ter feito esse retrato antes, com ela em vida, todavia infelizmente não fiz. Agora sabia que era tarde, mas ainda assim queria corrigir em parte esse erro. Sentia essa necessidade. Tivesse a dificuldade que tivesse. Acreditava também que fazendo a sua imagem, amenizaria até o meu sofrimento. Considerei ainda que eu estaria realizando um dos sonhos dela, mesmo tardiamente, apesar de já falecida, que era a pintura desse seu “portrait”. Lembrei-me de quando uma vez, ela me observando retratar algumas pessoas, me perguntou com humor: “Meu filho: por que você nunca faz o retrato também de sua mãe? É porque você me acha feia?” E concluiu confessando com a voz bastante meiga e melancólica ao mesmo tempo: “Sua mãe queria tanto que você fizesse o retrato dela!”.
Nunca me perdoei por não ter realizado esse seu desejo. Às vezes – e não há desculpas – nos falta sensibilidade até com pessoas que mais amamos. Lamento intensamente. Entretanto algo me dizia que mesmo depois que ela se foi ainda valia a pena realizar aquele seu sonho; mesmo não podendo ser mais visto por ela, que valia a pena o seu retrato ser contemplado por outras pessoas. Isso me estimulou a fazê-lo.
Reconhecia eu, no entanto, que era muito difícil executar aquele trabalho naquele momento. Estava sempre muito amargurado. Não saberia se teria a necessária firmeza nas mãos; se teria condições psicológicas para levar à frente aquela especial obra. Outro problema: eu não possuía uma boa referência fotográfica dela para realizar um bom retrato. Das que encontrei, nenhuma me agradava. Fiquei preocupado. Na ausência do modelo, boas fotos dele são mais do que importantes, são imprescindívis. Porém não desisti; teria que fazer o retrato usando mais as lembranças dos seus traços fisionômicos. E não é que isso acabou sendo-me favorável? Foi uma grande surpresa! Ao contrário do que eu temia, contribuiu para que eu pudesse reproduzir com mais perfeição a sua imagem. A memória favoreceu para alcançar a verossimilhança necessária em todo retrato que se preze. Pude assim transmitir fielmente para a tela não só a aparência física, mas um pouco da sua alma e tornar a sua figura mais real. Isso é fundamental em retratos, reproduzir não apenas os traços físicos, porém a personalidade do modelo. Confesso que foi o melhor que pintei. Jamais alcançaria de outro modo essa perfeição. Ali estava o verdadeiro retrato da Dona Belinha, minha mãe! Parecia, quando eu pintava, que tinha o pincel guiado pela mão de Deus.
Hoje quando olho para essa pintura me emociono e tenho a impressão que os verdadeiros olhos da minha querida mãe ali estão também me olhando, a aprovar esse seu retrato e feliz com essa tardia homenagem.
Everton Cerqueira
01/01/2010