Flores raras

O ponteiro do relógio aproxima-se da divisão dos dias mais uma vez. É uma hora em que o silêncio vem me fazer companhia. Pareço não mais encontrar meu lugar no leito. Busco o sono, mas ele presenteia-me com a sua ausência para que eu possa saborear um pouco mais a vida, que vê seu fim chegando.

Aproximo-me da estante para pegar algum livro, quando subitamente vejo algo fino, velho, gasto pelo tempo e pelo uso, que se esconde entre uma capa preta e outra vinho. O meu pequeno achado era uma agenda de telefones antigos.

Ao abrir a primeira página, um nome solitário estava cravado na folha. Não havia número de telefone ao lado, apenas um espaço em branco. Não foi a minha falta de vontade que deixou esse nome desacompanhado, foi a falsa certeza que eu tinha de que as coisas demoravam para mudar.

Eu ainda era universitária quando conheci o Arthur no refeitório, esse era o nome que havia na primeira página da minha agenda, o nome dele. Nosso primeiro encontro não foi muito amistoso, na verdade o lugar estava lotado, e nós discutimos por uma cadeira, mas nas vezes seguintes em que nos víamos, as coisas foram mudando. Compartilhamos olhares, sonhos, histórias, risos e lágrimas.

Repentinamente, percebi que não o conhecia fora da faculdade e não tinha nenhuma forma de comunicar-me com ele se não fosse naquele ambiente, então anotei seu nome na agenda e fui no dia seguinte decidida a anotar o número do telefone dele, mas ele não apareceu nem naquele dia, nem nos outros dias e acabei esquecendo-o, exceto nas manhãs de primavera, pois ele sempre dizia que vivia apenas para ver as flores desabrocharem nessas manhãs de pura felicidade. Apesar de já fazer muito tempo, ainda sinto sua falta. Talvez ele tenha se transformado numa flor linda e rara, daquelas que podem ser vistas apenas uma vez durante a vida e depois perdem as pétalas até que reste apenas um lugar vazio. Preenchido apenas por uma nova flor.