O Carnaval da (na) Vitória do Espírito Santo

Poucos vão acreditar, mas lá, bem do lado, ali no mapa em meio a Minas Gerias, Rio de Janeiro, Bahia e o imponente Oceano Atlântico se encontra o belíssimo Estado do Espírito Santo e sua maravilhosa festa de carnaval com toda sua ostentação, beleza e conteúdo artístico sem igual. É verdade o que estou dizendo e ninguém tem o direito de me desmentir sem ir lá. E digo isso com toda legitimidade porque lá eu fui, vi e julguei. Foi um privilégio ver um carnaval alegre, diferente, tranqüilo, cheio de graça, criatividade e alegria. Mais que isso, encontrei pessoas sérias, alegres, sinceras, belas e boas de serviço em meio a enredos bem contados e escolas organizadas.

Confesso que não esperava grande coisa em 2009. O engano veio logo seguido de surpresa e admiração já no primeiro desfile da primeira escola de samba e fiquei surpreendido com a garra dos capixabas que fazem um carnaval que não fica devendo em nada ao empreendimento do Rio de Janeiro e de São Paulo. Baterias em plena harmonia, escola em conjunto e em perfeito desenvolvimento, com samba-enredo ritmado, porta-bandeira e mestre-sala charmosos e impecáveis no bailar, enredos construídos com carinho e muito trabalho, sem falar nas fantasias e nas alegorias. É óbvio que algumas escolas de samba se saem melhores do que outras, mas o que vale é a competição, pois o carnaval é isso: temos adversários e não inimigos. Adversários de alguns dias que passam como vento e não de anos que duram gerações. Adversários da alegria e não da guerra e, finalmente, adversários que se transformam em amigos nesse grande mosaico cultural que se transformou o carnaval nesse país.

Em Vitória a festa chega um pouco mais cedo. Sem grandes transtornos a população, o turista e o folião se adaptam à nova temporalidade, imprimindo um ritmo, um cheiro e um clima peculiar da cultura local. As autoridades e o que chamo de “executivos do carnaval” devem ter lá os seus motivos. Todavia, nada parece comprometer a festa capixaba. Para se ter uma idéia aquele povo não parou nas escolas e levou a efeito um maravilhoso “Sambão do Povo”, um local próprio, estruturado e bem organizado para receber os amantes da festa. Em 2009 foram vendidos mais de 12 mil ingressos distribuídos entre arquibancadas, mesas, camarotes e pistas. Um espetáculo, bem do ladinho do Brasil e de cara para o Oceano Atlântico.

Segundo as estimativas, nos dois dias de festas em 2009 passaram pela avenida mais de 20 mil pessoas por dia. É incrível, pois - na realidade - a estrutura montada pelos capixabas é capaz de receber muito mais pessoas. O carnaval por lá não é infante. Pelo que observei há anos eles têm se empenhado na festa e 13 escolas andam correndo atrás do título que tem como guardiã a famosa Jucutuquara. Mas isso não é o mais importante. É de cair o queixo o trabalho desenvolvido pelas escolas de samba. Na avenida elas trazem enredos regionais, nacionais e internacionais. Os prospectos revelaram estudos, seriedade e capacidade na apresentação e desenvolvimento de uma temática. Equívocos? Erros primários e secundários? Encontrei aqui e acolá, mas quem e quais escolas não os têm e, diga-se de passagem, nada que pudesse interferir na beleza das escolas de samba daquele lugar.

Uma curiosidade, a qual talvez nem seja tão importante para o senso comum é o perfil do carnaval capixaba. Ele não me parece tão rápido e empresarial como o do Rio de Janeiro, tampouco tão exagerado, ostentatório e burocrático como o de São Paulo. Também não percebi as mesmas cadências e harmonias. A evolução é diferente e as fantasias são peculiares. Penso que o carnaval por ali recebeu muitas cores e vida dos imigrantes alemães e italianos. Também, é óbvia a contribuição do negro e dos nativos daquele lugar. Aliás, temas que raramente não são lembrados nos enredos. Tenho por hipótese essa afirmação porque me pareceu um carnaval coeso, justo em sua inteireza, um tanto disciplinado e leve. Não percebi a agressividade de São Paulo, tampouco a malandragem do Rio de Janeiro. As relações culturais no Espírito Santo, aparentemente, receberam novas roupagens no carnaval e este foi configurado de uma forma muito diferente dos locais que estou a comparar. Fica aqui somente o registro: não estou fazendo uma pesquisa, somente evidenciando uma percepção. Uma observação que mostra não somente como o Brasil carrega sua beleza de muitas formas e em muitos lugares. Talvez mais que isso, vale apontar a beleza do carnaval e sua singularidade como símbolo cultural sem igual desse país, e na esteira dessa verificação revelar que no Estado do Espírito Santo, existe uma festa. Uma festa tanto ou mais bela que a do Rio de Janeiro ou de São Paulo. Uma festa que mostra que o Brasil não termina em Sampa, em Salvador ou nos morros cariocas. Pelo contrário, no Espírito Santo existe uma “Vitória", uma cidade e um sentimento, compartilhados por gerações e que também se chama carnaval.

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Lúcio Alves de Barros - mestre em sociologia e doutor em ciências humanas pela UFMG. Professor da UEMG (Universidade Estadual de Minas Gerais), da Faculdade ASA de Brumadinho e organizador dos livros, “Polícia em Movimento”. Belo Horizonte: Ed. ASPRA, 2006 e “Mulher, política e sociedade”. Brumadinho; Belo Horizonte: Ed. ASA, 2009.