Apenas um 'Bom dia'
Bom dia! Ou boa noite, afinal não sei nem que horas são. Muito prazer, meu nome é Ed. Sou jornalista. Desde os 25, acho. Não quero fazer contas sob o efeito de teores alcoólicos acima do meu controle. Portanto é mais ou menos isso. Hoje tenho 28, isso tenho certeza, e continuo jornalista.
Eu sempre morei no litoral. Claro que é muito melhor, mas ninguém pode passar a vida por lá, a não ser que você seja um peixe. Fui então para o interior. Muito bom de morar. Escolhi Campinas. Lá, acho que aprendi bastante. Fiz amigos. Curti também.
Um ano e meio depois de sair de Santos, cá estou em São Paulo. Boa e velha Sampa. Cidade grande em tudo. E difícil também. Difícil de sair. Difícil de ficar em casa. Me disseram que esta é a terra das oportunidades. Aqui está o dinheiro do Brasil. Avenida Paulista. Rebouças. Consolação. Prédios enormes. Metrô. Trânsito. Buzina. E nem um ‘bom dia’.
Não que em Santos ou Campinas as pessoas saiam por aí distribuindo bom dia pra todo mundo. Mas aqui se você ergue a cabeça e dispara:
- Bom dia!!!!
Ah. Que olhares são esses.
- Te conheço?
- Claro que não. Desculpe.
Também não vamos taxar o paulistano de antipático, né (juro que vou perder essa mania santista, mas o ‘né’ não desgruda). E também tem outra coisa. Aqui tem gente de todo lugar. Rio de Janeiro. Espírito Santo. Paraná. Rio Grande do Sul. Só pra falar das pessoas que conheci na última semana. Ah, e é claro os nordestinos. Esses mandam por aqui. Dá até pra dizer que o sotaque paulista (não tem nada de mermão) é de lá.
Então não vamos rotular ninguém. Tem mais gente caipira aqui que no interior. Tem mais caiçara aqui que no litoral. Tem mais nordestino aqui que no nordeste.
Conclusão. Sampa não é lugar nenhum. Na faculdade, tive de ler um livro que falava dos não-lugares. Era bom, mas não lembro o nome nem o autor. Vai ver que não era tão bom assim. Se tive dúvidas na época, agora ficou claro.
Hoje resolvi testar meu ‘Bom dia’, só pra escrever esta crônica. Empinei o peito, com toda minha simpatia. Era tanta simpatia que acho que parecia arrogância. Estava no metrô. Mais impessoal impossível. Gente pra lá e pra cá. Todo mundo correndo. Muita pressa. Então achei a vítima. Ou melhor, cobaia.
Era uma mulher de uns 30 anos. Nariz empinado. Cabelo bem preto e escorrido. Bastante maquiagem. Brincos que caíam até os ombros. Não entendo nada disso, mas pareciam jóias de verdade (se fossem, a moça do nariz empinado já teria perdido a orelha àquela altura). Era muito elegante. Segurava o livro com apenas uma mão e caminhava sem olhar para o chão nem para frente. Não batia em ninguém. Parecia ter piloto automático. Mulher com pinta de granfina. Daquele tipo que você tem certeza que deixou o carro importado no estacionamento pra pegar o metrô e fugir do trânsito. Lia um livro em inglês. Não faço a menor idéia do título. Além de rica é intelectual. Perfeita.
Lá fui eu então esperar o momento certo pra disparar o tiro mortal. O constrangimento que iria rechear minha primeira crônica. Meu texto estaria repleto da vergonha alheia que você sentiria. A oportunidade estava próxima. Estávamos na plataforma. Estação Ana Rosa. A mais movimentada de todas. Aqui se faz baldeação entre as linhas vermelha e azul. No meio da multidão, com a mesma simpatia arrogante, entrei na frente dela, esperei que erguesse a cabeça - claro que parou antes de bater - e lancei: “BOM DIA!!!!”
Os pontos de exclamação não são exagero. Poderia ter colocado até mais alguns pra exprimir exatamente o que foi aquele bom dia no metrô. Meia dúzia de pessoas olharam, mas o cumprimento simpático foi totalmente direcionado à moça do nariz empinado. Todos aguardavam pra ver o que aconteceria. Como ousava um caiçara qualquer soltar tamanho impropério numa estação do metrô. Meus olhos brilharam com as reações. Era tudo o que eu esperava. O material perfeito pra uma crônica.
Mas eis que.........quebrei a cara. A maior decepção. A moça do nariz empinado mostrou os dentes. Verdade. Ela tinha dentes. E eram bonitos naquele sorriso espontâneo, que veio junto com uma conversa de elevador.
- Bom dia!! (dois pontos de exclamação são suficientes). Cheio aqui hoje. Ainda bem que, pelo menos, parou de chover lá fora.
Nossa!!!!!!! (Talvez pudesse usar mais alguns). É uma injustiça tamanha simpatia. Uma ofensa partindo de uma paulistana. Ela só podia estar querendo me sacanear. Como pode. Ela deveria olhar com indiferença. Fingir não escutar. Xingar, talvez. Mas jamais responder com tamanha alegria. Ficou estampada na minha cara a decepção.
- Oi?!?!?! Aconteceu alguma coisa????
Nada de resposta.
- Ei!!
Ainda não conseguia me manifestar.
Ela olhou para o lado, mas não havia ninguém. Todos já corriam para a porta aberta, por pouco tempo, do vagão do meio. Mesmo assim, comentou, como se estivesse falando com alguém.
- Cara estranho, né!
Está explicado.