Maria Clara

Maria Clara tem catorze anos, olhos castanhos, cabelos longos e encaracolados, uma profusão de cachos que ora ama, ora jura que vai arrancar fio a fio. Somente a mãe e umas poucas pessoas empregam seu nome na forma composta. É chamada de Clara, Clarinha, Maria e também Mariazinha.

Tem oscilações de humor que vão de “como a vida é per!!! (de perfeita)” a “furaram a minha nuvem (meu mundo caiu...).”

Em plena segunda-feira chegou da escola como uma ventania súbita, já disparando

- “Mãe do céu!“

É como sempre inicia o relato de algo excepcional que aconteceu no colégio, na casa da amiga, no shopping, na internet, enfim nos lugares em que ela ama estar e se pudesse estaria em todos ao mesmo tempo.

Prossegue, contando a história, como uma metralhadora desgovernada, mal parando para respirar.

Caso a mãe tenha algo a dizer, um recado a dar, uma pergunta, pode esquecer. Qualquer interrupção só será possível quando ela terminar a história importantíssima, do fato mais emocionante, que tanto pode ser o “oi” cheio de charme e significados dado pelo menino por quem ela está, atualmente, a-pai-xo-na-da, como também o desabamento do prédio do colégio.

De repente toca o telefone e ela dispara para atender a amiga – Lu – com quem estava até quinze minutos atrás.

O assunto prossegue, comentado com a amiga que presenciou o acontecimento e, simultaneamente, contado à mãe, que continua esperando uma brecha, uma respiração, para poder falar.

Com a participação da amiga ao telefone, o fato vai tomando uma proporção mais emocionante, a agitação ganha níveis estratosféricos, para total desespero da mãe, que precisa dar seu recado, almoçar e correr para o trabalho.

De repente a mãe ouve o sinal familiar de alguém falando no Messenger.

Mas, espera: ela chegou da escola e, com a mochila ainda nas costas começou a contar a história à mãe, atendeu o telefone, continuou a história...afinal, em que momento dessa trajetória, a mãe piscou e ela teve tempo de ligar o computador, enquanto contava a história, atendia o telefone, continuava a história?

Enquanto acabava de colocar a comida na mesa – função de Maria Clara – a mãe, cismada, revia mentalmente a sequência de tudo, pois o computador não ficava ligado durante a noite. Isso ela checava sempre.

Nesse momento a garota chega na sala e solta:

- Credo mãe...que cara é essa??? O que você queria falar mesmo?”

A mãe, voltando de um lugar que só mães de Marias Claras conhecem, olha a menina, pensa e responde:

- Esqueci!

- Ô mãe!!! Depois eu que vivo no mundo da lua né?

Quer saber? Abafa o caso!

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