Os Reizinhos

Domingo, talvez 19h30. Ponte Rio-Niterói. Na minha frente, à direita, deslocava-se um Pólo Classic, provavelmente 2008 ou 2009. Preto. Bonito. Veículo certamente dotado de vidros elétricos, direção hidráulica, ar condicionado, tudo. Completo. Notei a placa na traseira, talvez num material imitando bronze: Líder do PC do... Além do veículo, o usuário, com toda a certeza um político, teria no mínimo o combustível e o motorista pagos pelo erário. Seria possível que ainda tivesse o tag, dispositivo que afixado ao pára-brisa do automóvel lhe daria o direito de não pagar o pedágio. Mais uma despesa custeada pelos cofres públicos.

Curiosamente tratava-se do líder de um partido comunista, ideologia que defende, até onde for possível, uma distribuição de oportunidades homogênea entre as pessoas. Isto é, sob o ponto de vista econômico-social, uma sociedade sem classes, “baseada na propriedade comum dos meios de produção”. Nada a ver com o cidadão que, dentro daquele veículo, dava uma demonstração do exercício ou da utilização de prerrogativas que não estão ao alcance da maioria dos cidadãos brasileiros. E que fazem dos políticos uma classe – melhor seria dizermos uma casta – de pequenos reizinhos, cada vez mais distanciados do povo pelas inumeráveis e excepcionais vantagens que lhes são atribuídas por lei. E que jamais poderão ser experimentadas por qualquer pessoa comum.

Provavelmente em Cuba, país em que ainda se adota o regime comunista, para muitos retrógrado, o usuário daquele Pólo Classic não teria essas vantagens. Há quem diga que até mesmo na Inglaterra o político não tem à sua disposição um carro oficial para uso em serviço num domingo à noite ou em qualquer dia da semana. Muitos usam a bicicleta para chegar ao trabalho.

Domingo, 19h30, não é bem o que se pode admitir como horário de trabalho. A não ser que tivesse havido uma reunião partidária. Ou algum encontro marcado pelo Governador e que fosse do interesse do Líder. De qualquer modo o Líder de um Partido na Câmara não precisa dar satisfações a ninguém do uso que faz do veículo colocado à sua disposição. Muito menos a um cidadão como eu, que vou com o meu automóvel ali atrás. Do nível do Pólo Classic, é verdade, mas pago todo mês com os meus rendimentos. Aliás, nenhum deputado, senador ou mesmo um vereador qualquer precisa dar satisfação da sua presença nas sessões no Plenário. Ninguém cobra nada. Basta que assine uma lista de presença ou peça a alguém que o faça por ele. Diferente de nós, que pra faltarmos ao trabalho precisamos ter a autorização do chefe.

O mais interessante é que todas essas vantagens e facilidades são concedidas a determinados indivíduos pelo povo. De forma OBRIGATÓRIA. Isto é, o povo tem que votar para que os políticos tenham todas essas vantagens. Que jamais estarão ao nosso alcance, repito, a menos que sejamos um dia eleitos. Trata-se de um prêmio maravilhoso. E é por isso que todos o cobiçam. Esquecendo-se de que foram eleitos não para serem premiados, mas para o exercício de funções e atitudes que deveriam ser do interesse das pessoas que os elegeram.

Será lícito afirmarmos, portanto, que enquanto essas mordomias persistirem, elas serão o objetivo principal dos candidatos a um mandato eletivo. Ninguém investirá fabulosas somas em dinheiro ou contará (ou contratará) com polpudos financiamentos para se eleger, pensando no que fará pelo bem de uma comunidade.

Dessa forma, a medida profilática para dotarmos um cidadão de condições reais e morais para a representação dos interesses públicos seria a extinção, no maior âmbito possível, das vantagens hoje inerentes aos mandatos eletivos e a instituição do voto facultativo. Para que ninguém que desejasse ser eleito o fizesse com a intenção de se tornar mais um reizinho.

Rio, 23/07/2009

Aluizio Rezende
Enviado por Aluizio Rezende em 06/01/2010
Código do texto: T2013566
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