O Sangue da alma são lágrimas

Ele estava lá.
Naquela casa situada na base da colina, Calheta do Império.

O calorzinho do champanhe da virada fez-lhe arrostar o edredon leve e macio. Tudo parecia tranquilo.
Só a Natureza andava tecendo, lá no alto da floresta rumorosa, as redes para equipar seu sinistro batel.

Subitamente um som cavo, atabafado e longínquo fez estremecer seu coração e arrepiar-lhe a pele. Depois a Natureza gritava com tal volume de voz que todos os ecos do mundo gritavam lá fora com ela.


Durante um tempo foi um pandemónio tão trágico, tão violento, tão arrasador que pareceu durar uma eternidade. Não teve tempo de dar um ai, um pulo, um empuxão… nada. Em estertor e tremendos bombardeios desabou sobre o tecto franzino de seu quarto todo o caos que antecedeu a criação do mundo.


Depois, já ele prisioneiro sob a alfurja pestilenta e húmida, ouve um silêncio assim profundo e sepulcral como a lancinância dos ossos esmilhados. Todos os músculos de seu espalmado corpo sucumbem sob golilhas de amplexo pelourinho.


Aguçou vorazmente suas longas orelhas e… nada!


Sente-se súbito náufrago num largo mar encapelado e negro com breu.

(Como ‘náufrago’ se, através das paredes ruinosas e descaliçadas, subitamente grita um celular?)

E, soturnamente, surgiam gemidos sob as gotas de água pendentes das estalactites de escombros.

Um madeiro tingido, que lá ao longe afigurava a sua salvação, despencou da nave e lá do alto precipitou-se sobre o bolo disforme de seu corpo, ringindo ferozmente. Cruel taburno!
Naquela morbidez ele divisava uma mão estendida não sentida. Seriam seus aqueles dedos já encrustados de lama empedrada?

Nem ventania, nem bátegas de água. Nem bombeiros, nem polícia federal. Apenas Deus!

Deus e aquele latíbulo exíguo onde sobra lama e falta ar.
As dores são terríveis.
E faltam-lhe progressivamente as forças, mas não é aquele torpor do desmaio.
Sente que a chama se vai apagar, mas conserva a nitidez da visão (ou será só a consciência a ser enganada pelo inconsciente?)
Atordoado e de garganta seca, fenece finalmente… 
 
**Eu fico prorrogando para noites mais felizes toda a minha humilde eloquência**. 
 
(ESTE TEXTO É UMA HOMENAGEM SENTIDA A TODOS OS QUE PERECERAM NOS TERRÍVEIS ACONTECIMENTOS DO RIO NA PASSAGEM DE 2009 PARA 2010)             
ANTONIO JORGE
Enviado por ANTONIO JORGE em 05/01/2010
Código do texto: T2012140
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