Não haverá mais planos
Acompanhar a tragédia de Angra dos Reis, além de encher de pesar, faz-nos ver uma verdade que parecemos sempre esquecer: a existência de nossa mortalidade.Enquanto eu assistia às notícias, vendo os caixões, o choro dos parentes e o trabalho dos bombeiros, senti, como nunca, a minha mortalidade passar por mim.
Ocorreu a tragédia na época das festas de fim de ano. Normalmente, este é um período no qual queremos nos renovar, fazer planos, pensar em nossos sonhos, aproveitar a típica euforia que reina nas comemorações, estar com quem amamos, despindo-nos das tristezas para vestir alegria e esperança. Para quem morreu, não haverá mais planos. Pessoas perderam amigos, parentes. Vi um homem velando cinco ou seis familiares mortos. Em vez de começar o ano com grandes expectativas, ele o começou envolto em perdas e luto, do qual terá que se reerguer.
Quanto não dói ver a dor de quem perdeu os que amava! Essas pessoas perderam o solo, viram seus mundos desabarem. Claro que não há melhor nem pior época para grandes tragédias, mas não consegui deixar de pensar que pareceu injusto que tenha ocorrido no Ano Novo. Quem tinha sonhos não os realizará. Pensei em um casal que perdeu a única filha. Eles não a verão fazer o que desejava, não mais ouvirão sua voz nem seu sorriso. Tudo o que sonhavam para ela foi destruído. Estupidamente destruído.
Perguntei-me: foi um infeliz acaso? Haverá um destino?O que sabemos? Deparamo-nos com nossa mortalidade, fragilidade, insegurança nesse mundo e nos vemos perdidos, conscientes apenas de que não estamos a salvo, não sabemos o que pode nos ocorrer. E pode ocorrer a qualquer momento. Qual será a intensidade da dor de quem sobreviveu ou recebeu a notícia da morte de um ente querido?
Como consolar quem está chorando, no auge do sofrimento? Há consolo para quem terá que viver com perdas tão terríveis, sabendo que nada mais pode ser feito senão enterrar os mortos e enfrentar a verdade de que não voltarão?
Nossos problemas se tornam fúteis enquanto acompanhamosos noticiários envolvendo o trágico acontecimento. No calor do momento, o que nos aborrece se faz mesquinho, insignificante. Nossas frustrações por planos não realizados são pequenas comparadas ao que ocorreu.
Bem, é impossível analisar a terrível tragédia em sua completa dimensão.Nenhuma palavra expressará completamente o sofrimento dos que choram seus mortos. Ninguém é capaz de calcular o tamanho da dor de um coração ferido.