SOFRIMENTO.

SOFRIMENTO.

Mergulham os monges em suas profundezas para eviscerarem o sofrimento, relegando tudo que a vida deu ao homem de prazer para encontrar outra vida.

Qual vida? Aquela onde não há doença, sofrimento e morte.

Bom de ver essa equação budista, essa tríade de vocábulos ligados com extremada intensidade, onde um elo dessa corrente do existir e ser não pode de forma alguma estar dissociado do outro; doença, sofrimento e morte, fique em realce.

Não há doença sem sofrimento e muito menos morte, com raras exceções de compreensão dessas inafastáveis ocorrências da espécie humana.

Mas como abrir mão de tudo, dos prazeres e desejos humanos viáveis, comuns e mesmo sem excessos, meios que canalizam a felicidade, ainda que relativa?

Não é caminho que por ele caminhe qualquer personalidade educada no nosso ambiente.

É áspera tal caminhada, difícil, renunciante e radical. Diríamos, dificílimo dar esse passo para entronização nessa vida sem obstáculos, onde tudo se aceita sem anseios, temores ou surpresas; trata-se de singular estrada para um simples mortal .

É opção e construção de vivência filosófica para poucos, pouquíssimos.

Se alguém elege esse tipo de vida, realmente ficará distante das agruras da doença, da morte e e enfim do sofrimento, de todos os sofrimentos, mas abriu mão, assim, da vida “mundana” e para muitos coloridíssima do “comum dos mortais”.

Vale a pena? Só quem abre mão e viveu antes dessa opção a amplidão da vida “apegada” pode dizer, afirmar e testemunhar, a valiosa ou desvaliosa inclinação eletiva.

Muitos que fizeram essa opção testemunharam o encontro definitivo com a paz e não retornaram ao estilo anterior.

Sob uma filosofia intelectualizada o sofrimento tem variada ótica.

O sofrimento é a ausência de felicidade, o sepultamento da alegria, o encerramento da festa que extravasou de encantamento.

Com apuro e atilada percepção, Eric Fromm entendia que “o homem é o único animal cuja existência é um problema”.

Por quê? Por não termos somente instinto, mas consciência do que ocorre, acontece ou acontecerá.

Uma coisa é a defesa instintiva do mal que se acerca, usando a força e a destreza para afastar a ameaça, outra coisa é a consciência de que a força e a destreza não bastariam para afastar o mal ameaçador, daí surgir a infelicidade que se instala e gera o sofrimento, atroz, penetrante, que fere a alma, emudece o pensamento colorido tornando-o cinzento, traz a devastação do que chamamos de dor moral, aquela que não se apaga e faz a derrocada do ser, a desestabilização humana modernamente conhecida e tratada sob o rótulo patológico de depressão.

Estamos assim diante de um divisor de águas que dá um norte opcional para sofrer ou não sofrer.

Os que aqui não mais sofrem abandonaram os prazeres humanos todos, passaram o umbral dos sentimentos fragilizados pelo temor como gênero, multiplicados em braços múltiplos de espécies para entrarem na casa do despojamento de tudo que faria sofrer.

Perderam a sensibilidade? Não, aguçaram-na a tal ponto que a subjugaram e a colocaram a seu serviço, com a disponibilidade de tratarem o que quiserem como ordem e fato natural dos mortais, sem temores, surpresas ou ansiedades que desaguam em sofrimentos e depressões.

É possivél chegar-se a esse ponto? É. Quem pode nos dizer algo sobre isso? Somente os que a esse ponto chegaram, é difícil de encontrá-los, mas estão espalhados pelo mundo lecionando esse encontro, tiveram, contudo, a vontade e a coragem para trilhar esse novo caminho.

Vivem em outro mundo, embora ainda neste.

Celso Panza
Enviado por Celso Panza em 04/01/2010
Código do texto: T2010725
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