Cachaça com limão

A nossa cachaça vem conquistando o status de bebida destilada mais saborosa do mundo. Tipicamente brasileira, é a única que pode – pelo seu bom paladar - ser degustada “in natura”, sem qualquer aditivo. O que não acontece com a tequila mexicana – que requer sal e limão –, com o whisky escocês ou com a vodka russa, que pedem generosos acréscimos de gelo ou outras substâncias capazes de torná-los palatáveis.

Não falo, evidentemente, das fubúias da vida, das “curraleiras” ou das “babadinhas” tão a gosto de bebuns inveterados, para os quais todas são boas. Estes, dependendo das circunstâncias, tomam até perfume ou desodorante, por conterem álcool.

Falo das cachaças de qualidade, elaboradas sob rigoroso controle do processo. Essas são muito boas e estão conquistando o mundo, embora nossa produção seja incipiente. Para se ter idéia, Minas Gerais – terra da cachaça de qualidade – é Estado importador, pois consome muito mais cachaça do que consegue produzir.

Como cachaçólogo militante, pois cachaceiro é termo pejorativo, ando colecionando causos ligados à cachaça, que é uma das palavras recordistas em sinônimos na língua portuguesa – são exatos 422, no Dicionário Houaiss. Desde aquela-que-matou-o-guarda, passando por assovio-de-cobra, arrebenta-peito, cobertor-de-pobre, faz-xodó, engasga-gato, maçaranduba, isbelique, apaga-tristeza, lágrima-de-virgem, salsaparrilha-de-brístol, urina-de-santo até zuninga. E olhe que não consta nem fubúia nem babadinha...

Falando em cachaça, lembrei-me de “seu” Zé dos Passarim, um bodegueiro do nosso querido Brejo das Almas, quando lá morei em 1974. Naquela época, o Sr. Anísio Santiago – saudoso fabricante da hoje famosa cachaça Havana, de Salinas – entregava, pessoalmente, a sua produção aos pontos de venda, dirigindo o seu velho caminhão Chevrolet Leadmater 1947. “Seu” Zé dos Passarim tinha prazer em servir aquela bebida de qualidade aos fregueses do seu botequim. A Havana ainda não tinha a fama que tem. Era apenas uma das boas cachaças salinenses.

Um dia, entra um caminhoneiro na venda do “seu” Zé e pede uma “da boa”. Para agradar o forasteiro, que precisava sair dali com a melhor das impressões, “seu” Zé o serviu com uma generosa dose da Havana. Com o copo de fundo grosso servido, o cliente fez uma solicitação que desgostou o sistemático dono do boteco:

- Me dê um limão aí, “seu” Zé...

“Seu” Zé dos Passarim não falou nada. Apenas agiu, em respeito àquele precioso líquido amarelo-ouro, envelhecido em tonéis de madeiras especiais. Pegou o copo e devolveu o líquido para a garrafa, sob o olhar assustado do cliente.

- Que é isso, “seu” Zé?

- Se você quiser tomar cachaça com limão, vá tomar noutro lugar. Nesta Havana aqui, não admito mistura – retrucou furioso o “seu” Zé.

E foi assim que a Havana ficou famosa. De boca em boca, espraiou fama pelo mundo afora...

Itamaury Teles
Enviado por Itamaury Teles em 04/01/2010
Código do texto: T2010598
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