Intriga da Oposição

Pra mim, ter uma amiga era realmente novo. Selly com certeza tinha aquele jeito garota de ser. Quer dizer, ela gostava de se arrumar, falar dos caras bonitos da escola, fazer fofoca sobre gente como a Livy e tudo mais. Eu, por ser uma garota, não era bem assim, mas tínhamos coisas em comum. Mesmo ela sendo tão ‘garota’, ela era engraçada, falava besteiras, odiava hipocrisia e frescura, tinha a língua afiada pra se defender e gostava das mesmas bandas que eu (claro que, curtindo um pop à La Britney Spears de vez em quando).

Nós duas passamos a ficar juntas quase todos os dias, menos às quartas-feiras, quando ela tinha que ter aulas de espanhol com sua mãe. Ela diz que por ser meio porto-riquenha, a mãe dela insisti que ela aprenda o espanhol e assim, repasse pros seus filhos, que passarão pros seus netos, e assim vai, até a próxima geração.

Jacob aceitava nossa amizade, mas eu achava sinceramente que os dois não iam um com a cara do outro. Claro que eu não posso dizer que isso é tão ruim assim, considerando que eu odiaria que Jake ficasse com minha nova amiga. Veja, eu demoro 6 anos pra fazer outra amizade para ela acabar por causa do meu melhor amigo galinha? Sem essa!

O ruim disso era que eu já não sabia como dividir o meu tempo para os dois, já que eles não gostavam muito de ficarem em um mesmo ambiente juntos. Achei que não seria tão problemático com o Jake, por causa daquele papo dele querer passar mais tempo com os amigos homens dele. É esquisito e sarcástico, mas ele odiou.

- Vai na minha seleção de basquete? – Perguntou ele enquanto andávamos com seu beagle (que na verdade era da irmãzinha dele de sete anos) pela vizinhança. – É na quinta.

- Na quinta? Jacob foi mal, mas não vai dar. Eu e Selly marcamos de ir ao cinema assistir Jogos Mortais IV.

- Mas marcamos de assistir esse filme na estreia. – Disse ele, parecendo meio chateado.

- E vamos. Mas antes eu vou ir na pré-estreia. A Selly conseguiu uns ingressos legais.

- Selly pra lá, Selly pra cá. Tudo agora tem a ver com essa garota! Estamos marcando isso desde que começaram a gravar o filme.

- Eu já disse que nós vamos.

- É, só que você já vai ter assistido.

- E daí?

- “E daí?” É assim que você trata do nosso código da amizade?

- Que código da amizade?!

- Aquele em que dizemos um ao outro: “Não deixarás teu irmão na mão na estreia de Jogos Mortais IV indo ver antes a pré-estreia.” – Frisou o pré com ironia.

- Não me lembro de ter dito isso.

- Eu estou sendo irônico. – Explicou.

- Ah. – Compreendi.

- Você passa mais tempo com ela do que comigo. Parece até que esqueceu da nossa amizade.

- Ah, qual é. Sem drama. Você mesmo que disse que queria passar mais tempo com seus “amiguinhos” e que eu devia arrumar uma amiga.

- Você teria uma mais decente se não tivesse jogado refrigerante na cara dela.

- Ata, como se a Ellen e eu nos gostássemos. E escuta aqui, por que esse mau humor todo, hein? Por que não gosta da Selly? Nem ao menos a conhece!

- Conheço o bastante.

- Como?! – Ele parou de andar. Mordeu o lábio, parecendo pensar em dizer ou não.

- Você lembra daquela vez na sexta série que eu estava com o olho roxo e eu disse que o grandalhão do Steven tinha me batido?

- Claro.

- Bom, é, não foi ele. – Disse. Eu pensei por um segundo tentando compreender aonde ele queria chegar, quando então me dei conta.

- Foi ela?! – Ele ficou calado. Quando percebi, estava gargalhando feito uma louca – Apanhou de uma garota? O ‘todo machão’ Jacob Willians apanhou de uma garota? Haha. Essa é a piada do ano.

- Não foi engraçado. Foi humilhante.

- Todos sabiam menos eu? – Perguntei indignada.

- Não. Por sorte o Steven tinha mudado de escola, ela mudou logo depois.

- Então não foi tão humilhante assim.

- É claro que foi! Você tem alguma ideia de como fica o orgulho de um homem ao receber um soco vindo dos punhos de uma mulher?!

- Não tão mal quanto a cara dele, aposto. – Disse dando risada.

- Você é uma idiota. – Disse ele.

- Por que ela te bateu? – Perguntei assim que parei de rir.

- Bom, ela meio que... Deu em cima de mim. – Disse ele, parecendo se achar – Eu não quis nada com ela, então quando me dei conta aquela louca me acertou. – Eu o olhei desconfiada. Aquela história não estava me convencendo. – É sério, tá bom? Uma mulher fica louca quando é rejeitada por mim.

- Certo, e a verdade é...?

- Essa. Olha, eu estou sendo sincero.

- Então vou perguntar pra ela.

- Não! É claro que ela vai dizer que eu estou mentindo e inventar uma história completamente diferente.

- Ou você já fez isso, né?

- Pensa bem, Demi. Vai acreditar em uma garota que conhece há apenas uma semana, ou em mim, que sou seu amigo há anos? – Perguntou.

Aquela pergunta me deixou confusa. Respondi com a maior sinceridade:

- Eu vou ver. – Dizendo isso, voltei a andar. Ouvi um suspiro frustrado de Jake e logo depois ele voltando a andar com Jordan (o beagle).

- Não faz xixi na minha perna, cachorro sarnento! – Reclamou ele. Eu dei risada ao ver a cena.

Naquele mesmo dia, Selly foi até a minha casa com toda a 1ª temporada de House. E fala sério, House é a melhor série já feita. Coisa de gênio.

Começamos a assistir e eu acabei me lembrando do assunto da minha conversa com Jake.

- Selly, é verdade que bateu no Jacob? – Perguntei na lata. Ela me olhou meio surpresa.

- Hum, talvez. – Respondeu. Ok, não era exatamente a resposta que eu esperava.

- Talvez? Ele disse que você deu um soco nele porque ele te rejeitou. – Disse. Nesse momento ela engasgou com uma pipoca. Eu tentei ajudá-la a se recuperar, levando um copo de água e dando tapas em suas costas. Quando ela ficou melhor, me olhou perplexa.

- Não acreditou nisso, não é?

- Bom, no início não, mas aí Jake fez aquele tipo de pergunta que bota em risco a amizade de uma vida inteira, então eu fiquei na dúvida. Esperava que você me contasse o que aconteceu.

- Ta legal. Jacob era o maior idiota de todos, sempre se achando o garanhão. Uma vez eu descobri que ele fez uma aposta com um cara da 8ª série que conseguiria ficar comigo. Então quando se aproximou de mim começou com um papo bem idiota e jogando cantadas. Quando eu o rejeitei, ficou irritado e começou a me chamar de bruxa louca e de um monte de coisas, então eu não me segurei e quando me dei conta já tinha batido. Depois eu não sei o que houve, eu acabei saindo da escola porque tive que ficar um tempo em Porto Rico.

- Olha, pode não parecer verdade, mas Jacob não é assim. Ele não apostaria nada desse tipo com ninguém, pelo menos não na 6ª série.

- Demi, você vê ele assim, mas a verdade é que ele é superficial, fútil e não liga pros sentimentos de ninguém.

- Não. Você tá enganada. Ele é meigo e engraçado. Ele não gosta de magoar as pessoas.

- Sério? Porque uma vez você me disse que ajudava ele a se livrar de algumas garotas.

- É diferente...

- Diferente por quê? Quantas garotas já não se apaixonaram por ele? E quantas delas já não foram esquecidas no minuto seguinte? Você pode não saber, mas isso magoa uma pessoa.

- Ele não faz por mal. Ele só tem uma espécie de trauma. É só isso.

- Demi, me surpreende você, alguém tão gente fina e autêntica concordar com o machismo do Jacob.

- Que machismo? Já disse, ele não é assim. Só precisa conhecer ele.

- Já conheço. Jacob menospreza as mulheres. Pra ele, elas estão e devem estar sempre disponíveis na hora que ele quiser. Você apóia isso. Só que não percebe, porque ele não te trata assim. São melhores amigos, ele te vê como um irmão e não como uma garota. Essa é a diferença entre você e todas as ‘vítimas’ do Jacob.

Eu tentei falar alguma coisa, mas quando abri a boca, eu nem sequer tinha palavras. Talvez Selly estivesse certa. Provavelmente. Aquilo fazia tanto sentido que me senti mal por menosprezar minha feminilidade apoiando o machismo de alguém, mesmo esse alguém sendo Jacob. Isso deve ser o que chamam de epifania. Compreensão súbita da grande verdade. Verdade meio cruel.

No dia seguinte, eu cheguei na escola ainda pensando em tudo aquilo. Jacob me viu e veio ao meu encontro com um sorriso.

- E então. Qual foi a história que ela inventou, hein?

- O quê? - Perguntei, saindo do transe.

- Ela inventou alguma coisa, não foi? É claro que sim. Por que mulheres tem mentes tão férteis para mentiras? - Dizia com um sorriso zombador enquanto andávamos em direção ao meu armário.

- O que você disse? - Perguntei, começando a ficar irritada.

- Mulheres tem mentes férteis?

- Deixa eu ver se entendi. Você usa as mulheres, as ignora, faz o que quer e depois tudo o que tem a dizer sobre nós é que somos mentirosas e traidoras?!

- Eu não disse isso. - Disse ele ficando meio confuso.

- Nem precisou. Eu entendi direitinho. Cara, Selly tem razão! Você é machista! Só liga pra você e pros próprios bíceps.

- Machista? Bíceps? Espera aí, do que você está falando?! - Ele compreendeu - Ah, claro. Eu sabia que ela ia encher sua cabeça contra mim. Sempre foi meio influenciável mesmo.

- Influenciável, eu? É, talvez tenha sido por isso que eu passei tanto tempo apoiando suas atitudes ridículas e...infantis! - Dizendo isso, bati a porta do armário com tudo, saindo furiosa.

- Nossa, é pra isso que servem os amigos! Sinceridade acima de tudo, não é mesmo?! - Gritou ele com ironia e irritado. Eu apenas mostrei o dedo do meio pra ele e continuei meu caminho, mas ouvi um estrondo de um provável chute de Jacob nos armários.

Minha casa estava silenciosa. O único som que eu podia ouvir era o da colher que eu segurava batendo na tigela de sorvete que eu havia acabado de devorar. Eu tentava esquecer o que estava me fazendo ficar tão deprimida. Jacob era tão presente no meu dia-a-dia que eu simplesmente não consegui. Naquela hora, por exemplo, deveríamos estar jogando vídeo game e Jake explodiria de raiva por ter perdido de mim,de novo, no Gran Turismo. Depois ele aceitaria a derrota e nós iríamos pra cozinha inventar algum tipo de sanduíche monstro pra comermos, então minha mãe chegaria, brigaria conosco por causa da bagunça e logo depois nós iríamos pro telhado, como sempre fazíamos desde que nos conhecemos, pra ver se víamos alguma estrela cadente.

- É impressão minha ou essa casa está silenciosa demais? - Disse minha mãe ao entrar.

- É melhor se acostumar. Vai ser assim de agora em diante.

- Jacob está aí?

- Não. Não haverá mais Jacob nesta casa.

- Vocês brigaram? - Disse ela, sentando-se ao meu lado.

- Talvez. - Respondi olhando pra colher.

- Quer me contar o que houve?

- Não. - Respondi depois de pensar por alguns segundos.

- Ok. - Disse se levantando.

- Quer saber? Porque eu fiquei tanto tempo de olhos fechados sobre isso, hein? - Ela voltou e sentou-se ao meu lado novamente - Mãe, você é a maior feminista de todas. Por que não me avisou sobre Jake?

- Eu não faço ideia do que você está falando!

- Sobre Jacob ser um machista. Mãe, como pude aceitar isso?

- Achei que já tivesse aceitado essa coisa do Jake ser popular.

- Não é a popularidade, é o que ele faz. Eu não ligava pro fato dele dar um pé na bunda daquelas garotas, porque pra mim elas são realmente umas idiotas. Mas o fato de eu apoiá-lo faz ele achar que tem o direito de fazer isso com as mulheres. É um desrespeito. E o pior de tudo é que eu fui tão machista quanto ele.

- Isso deve ser um saco. - Eu olhei pra ela meio surpresa pelo modo de falar. Eu já deveria estar acostumada. - Mas achei que sempre soubesse disso.

- E eu sabia. Só não pensei no quanto isso podia magoar alguém.

- Desde quando você é tão sentimentalista?

- Mãe, não sou sentimentalista! Mas eu tenho um coração, ta bem? E ele não é de gelo. Acho que só agora resolvi assumir que queria que Jacob voltasse a ser como era antes.

- Demi, as pessoas mudam e sempre vão mudar no decorrer da sua vida. Você pode querer que algumas coisas voltem a ser como antes, mas elas nunca voltarão, porque as pessoas estão sempre em busca de mudanças, elas evoluem constantemente. Ás vezes isso pode não nos agradar, mas veja bem, até nós mesmos mudamos.

- Mas eu continuo a mesma de sempre.

- Só que ás vezes mudar ajuda a amadurecer. Querida, você se fecha no passado como se o presente não importasse mais.

- E o que isso tem a ver com Jacob?

- Não tem. É sobre você. Jacob é um bom garoto. Nós sabemos que ele não age assim por mal, mas se sabe que ás vezes ele age do modo errado tente ajudá-lo. Pare de tentar fazê-lo ser como era antes. Ele continua o mesmo, só que comete erros, tem amizades diferentes das suas e outras influências. Nada vai ser 100% igual a como era antes. - Eu fiquei calada, pensativa.

- E isso nos leva a...?

- Seja lá o que tiver acontecido entre vocês, resolva. Uma amizade assim não pode acabar por uma bobagem dessas. Lembre-se: melhor amigo só se faz uma vez na vida. - Dizendo isso, ela levantou-se e subiu as escadas.

- Pior que ela tem razão. - Murmurei.

Eu estava decidida a resolver aquela situação, por isso marquei um encontro com Selly e Jacob na pracinha do bairro. Claro que eles não sabiam um da presença do outro no encontro. Quase me mataram quando ficaram frente a frente.

- Achei que tinha me chamado. - Disse Selly.

- Não. Ela chamou a mim. Você apareceu de intrometida.

- É melhor ficar calado antes que eu te dê outro soco. E dessa vez eu vou ficar pra espalhar pra todo mundo. - Ameaçou Selly e os dois se encararam como se fossem matar um ao outro.

- Ta legal. Já chega! - Separei-os - Eu chamei os dois! Temos que resolver nossas diferenças antes que acabemos nos matando.

- Eu não tenho nada pra resolver com esse aí. - Disse Selly.

- Já resolveu na 6ª série, NE? Machona! - Disse Jacob. Selly mostrou a língua.

- Gente, parem de se odiar! Por mim, pelo amor de Deus! - Eles pararam de se encarar e olharam pra mim, pareciam até meio tocados com as minhas palavras. - Obrigada. Selly, você odeia o Jacob. Jacob, você levou um soco da Selly e odeia ela e, eu, bom, eu to no meio disso porque sou amiga de vocês. Só que eu não quero ficar dividida. Poxa, você dois estão no meu coração. E eu nunca diria isso porque é sentimentalista demais. Você sabe bem, Jacob. - Disse eu o encarando. Ele soltou uma expressão do tipo: “É mesmo”. - Será que não podem se esforçar um pouquinho pra se darem bem? - Eles se encararam - Por favor?

- Desculpe, Demi. Mas eu te disse. Seria uma hipócrita se fizesse isso. Você sabe como o Jacob é. Ele não tem respeito pelas mulheres, porque haveria de ter comigo?

- Eu sabia que era você que estava colocando essas coisas na cabeça da Demi. - Disse Jacob. - Eu respeito as mulheres, sim.

- Jacob, você faz o que quer com elas e depois as despreza. - Comentei.

- Ata. Como se nenhuma delas soubessem o tipo de cara que eu sou nesse aspecto. Elas sabem o que vem depois. Não tenho culpa se continuam vindo até mim.

- Tá se achando. - Disse Selly.

- Demi, eu nunca quis te magoar. - Foram as palavras que ele pronunciou ao ignorar o comentário de Selly e olhar bem no fundo dos meus olhos. Eu senti que era verdade.

- Não quero mudar você, Jake. Mas, por favor, podem pelo menos parar com essa rixa de 6ª série? O passado ficou lá atrás. Podem simplesmente, esquecer esse orgulho? - Eles olharam um para o outro, como se estivessem se comunicando com o olhar. Depois de alguns segundos, olharam para mim.

- Tudo bem. - Disse Selly. - Só não nos faça nos abraçarmos, por favor. - Disse ela, bem humorada. Eu sorri.

- Concorda, Jake? - Perguntei.

- Certo. O passado ficou pra trás. - Disse ele estendendo uma das mãos pra Selly. Ela a olhou, então a apertou.

- Ta legal. Mas eu ainda te acho um idiota. - Murmurou Selly.

- E eu ainda te acho uma louca. - Jake murmurou de volta. Eu sorri, e num impulso, abracei os dois. Afinal de contas, lá estavam meus dois melhores amigos.